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COLUNISTA
Mateus Modesto
22/10/2008 - 14h51
Outrora cheia
 
 

A lanchonete do Seu Bartolomeu não era visitada como antes. Ponto de referência para almoço e conversa fiada, o pequeno comércio perdera sua clientela após um acontecimento inócuo: uma piada.
Era mês de janeiro. A cidade onde Seu Bartolomeu mora situa-se no caminho para quem vai para o litoral. Pelo menos noventa por cento das famílias que se deslocam de férias paravam ali. O lucro triplicava, quando não quadruplicava. Havia alegria e comunhão entre todos. Certo dia, um viajante sugeriu que se desse copos descartáveis quando houvesse muitos clientes, para não comprometer a qualidade do atendimento – devido à demora, natural. Ao que ele respondeu:

- Eu não lavo os copos. Apenas passo uma água leve. – e riu.

Ele não medira a gravidade da resposta. Todos os clientes, que ouviram, preferiram abdicar do cafezinho – uma preciosidade do local – e dos sucos e aderir a refrigerantes com canudo. Assim, gradualmente, a clientela foi sumindo, passando a realizar a parada em locais mais distantes. Mas Seu Bartolomeu acredita que o desaparecimento dá-se por conta do trabalho do governo federal, que, por asfaltar o trecho nas imediações de seu estabelecimento, permitiu aos viajantes menos tempo de viagem e menos cansaço. É uma questão de óptica.
A nova clientela conhecia o passado apenas pelas lembranças na parede. Eram fotos, cartazes, mensagens escritas à mão. Tempo que se foi. E parecia não tornar mais. Seu Bartolomeu não se queixava. “Deus dá. Deus tira”, é o que estava escrito em letras garrafais na entrada da lanchonete.

- Seu Bartô, um copo com água. E um suco de laranja sem açúcar.
- Neto, o pedido do viajante! – aos gritos com o ajudante. - Na estrada há horas?
- Pelo menos três horas.
- Cansa.
- Cansa.
- Viajar cansa...
- Cansa, cansa...

E eles ficaram nesse papo até o pedido chegar. O rapaz se dirigiu a uma mesa, agradeceu, serviu-se e bebeu. Havia açúcar. Enfureceu-se. Mas conteve-se nas palavras.

- Neto! Tem açúcar!
- Neto! Tem açúcar! – indignou-se Seu Bartolomeu.

Neto apressou-se, despejou o conteúdo do copo dentro da jarra e caminhou-se para fazer um novo suco, sem açúcar. Quando aparece um novo cliente, sem tempo a perder.

- Tem refrigerante?
- Só diet.
- Suco?
- Laranja. – Seu Bartolomeu havia percebido a agonia do viajante e estava usando de esperteza.
- Por favor. E uma coxinha. É frango?
- É coxinha.
- Digo: de frango?
- Sim.
- Isto é uma mosca? – apontando.
- Sim. – sem maiores preocupações. – A danada não sai.

O cliente desistiu da fritura e optou pelo bolo de leite. O suco, servido anteriormente ao outro viajante, apareceu em segundos na mesa. Inclusive o mesmo copo. Ele agradeceu, comeu apressadamente, pagou e foi embora.
Neto surgiu com um novo suco. Colocou-o na mesa, serviu no copo e trouxe uma coxinha. O cliente ficou observando e, sem vacilo, indignou-se:

- Mas eu pedi suco de cacau!
- Como? Não, ouvi quando o senhor disse suco de laranja sem açúcar.
- E trouxeram com açúcar.
- Mas corrigimos.
- E erraram novamente.

O cliente ajeitou o cabelo e se levantou, antes que fosse apresentado um novo pedido. Seu Bartolomeu insistiu para que ficasse, mas ele foi embora. Então, o velho coçou a barba branca, pôs a mão no bolso e comentou com Neto:

- Esses viajantes estão cada vez mais frescos, não é!?
- Pois é.


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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