A mulher de Guálber não era exatamente uma decaída. Ou era? Antes do casamento, amigos chegaram a advertir “cuidado, ela não presta”, mas o crédulo noivo fez ouvidos moucos e levou-a, afinal, ao altar. Pois, casaram e foram morar num casebre, logo trocado por uma casa de seis cômodos, graças às economias dela, que vendia salgados pelas ruas e guardava os doces para mimar o marido, ao chegar do trabalho. “Ela atrai fregueses com olhos cheios de promessas”, informavam a Guálber que, sem reação, aturdido, amargou igualmente péssima fama, mesmo depois de estudar e virar doutor, custeado pela sua querida. Porque a venda de salgados prosperou e, logo, a mulher instalava pequenas lojas por toda a cidade. Foi quando vieram os filhos, e os maledicentes instigaram o marido: “são filhos de outros homens”. Bons alunos, estes conseguiram bolsas de estudo no exterior, para onde os pais irão depois. Que se apressem. Embora não saibam, os amigos, desconfiados de tanta prosperidade, pretendem denunciá-los à polícia. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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