Uma das formas de caracterizar um texto como poético é o alto grau de recursos de linguagem – metáforas, rimas, antíteses, aliterações, assonâncias, metrificação... - que reforçam as idéias e permitem uma variedade muito grande de interpretações; também dão ao texto uma musicalidade e ritmo, que, ao lê-lo, todo o corpo participa, associando-o a sons, ritmos, cores, sabores e cheiros. Também atende à necessidade de movimento da criança, que usa a poesia para brincar e dançar. Grande parte da literatura tradicional usa a forma poética. Como não havia a escrita era necessário guardar de memória textos muito longos, daí o emprego de recursos que estimulam os cinco órgãos dos sentidos. Conheci uma senhora que beirando os cem anos ainda recitava com muita fluência as poesias aprendidas na infância. Quem lê um texto de Patativa de Assaré, não pode deixar de se surpreender com o grau de erudição desse caboclo, que perante a gramática tradicional seria considerado analfabeto. A tecnologia e o surgimento do gravador permitiram a criação de um banco de dados da linguagem e o avanço da lingüística, tentativa de dar um caráter racional e científico à linguagem, partindo do levantamento de como ela se apresenta e quais são suas regularidades e as suas variações. Pena que grande parte dos jornalistas e sabichões que se metem a discutir o ensino de língua pararam no tempo e não se atualizaram. A escrita, ao mesmo tempo que permitiu a rápida acumulação e avanço do conhecimento pela possibilidade do registro e da troca de informações entre povos e pessoas distantes, serviu como uma arma para criar um abismo entre o povo e a aristocracia, entre o povo e o poder. Um dos maiores fatos da história, a Revolução Francesa, tinha como um dos objetivos a garantia do acesso à escrita ao povo. Uma das maneiras do povo registrar a história do seu ponto de vista e transmitir o seu conhecimento foi a literatura de cordel, o repente e a embolada. Toda grande literatura escrita surge a partir da retomada da produção popular. Criado em 1995 por Gaspar e Fernandinho Beatbox, o Z’África Brasil é um dos representantes do rap nacional com um dos discursos mais coerentes da praça. Mergulhadas no universo afro-brasileiro, as letras versam sobre preconceito racial, opressão e desigualdades sociais. “O que importa é a cor / E quem tem cor age / Tem coragem de mudar o rumo da história / Coragem para transformar cada dia em vitória / É o canto da sabedoria / É o ataque / Reage agora, reage / Tem cor age, capoeira de maloca / Do fundo do coração proliferam idéias/ Centuplicando o pão a cada passo de uma centopéia”, expõe em “Tem Cor Age”. Esse texto vai contra a história veiculada em livros e na escola, de que não houve uma resistência negra; diferente da atitude dos índios que não se submeteram. O dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra justamente para marcar a luta e a resistência de Zumbi. Também se contrapõe ao TREZE DE MAIO, como uma liberdade concedida. A conseqüência imediata do Treze de Maio foi o abandono do negro à sua própria sorte, com poucas chances de sobrevivência. Assim como a capoeira foi um dos instrumentos de luta e se transformou numa atividade esportiva e cultural, a poesia produzida na periferia – O RAP - se encontra, atualmente, "online" como sendo um neologismo popular do acrônimo para rhythm and poetry (ritmo e poesia); porém, apesar da associação com poesia e ritmo, o significado da palavra rap não é um acrônimo em si, mas descreve uma fala rápida que precede a forma musical (de ritmo e poesia), e significa "bater". A palavra (rap) é usada no Inglês britânico desde o século XVI, e especificamente significando "say" ("dizer", ou "falar", "contar o conto") desde o século XVIII. Fazia parte do Inglês vernáculo afro-americano nos anos de 1960, significando "conversar", e logo depois disto, no seu uso atual, denota o estilo musical Rap na Música. Rap, na música, é extremamente fidedigno à improvisação poética sobre uma batida no tempo rápido e freqüentemente só é acompanhada pelo som do baixo, ou sem acompanhamento. Rap é um dos dois únicos estilos musicais da história da música ocidental em que o texto é mais importante que a música, justamente porque, geralmente tem o caráter de contestação ao sistema dominante. O outro é o canto gregoriano, em que a música é um canto a uma só voz e à repetição de sons, marcada pelo ritmo, e a melodia religiosa não desviar a atenção do texto litúrgico. O rap do grupo paulistano não se resume à herança norte-americana e jamaicana. Sintetiza batuques, música eletrônica e nordestina com o canto falado brasileiro, como a embolada. “Tudo tem a mesma origem. E posso usar as 80 modalidades (do canto falado) em meu trabalho em vez de ficar parado no quatro por quatro mal rimado”, provoca Gaspar que, em 2003, participou de um projeto com repentistas radicados em São Paulo. Fonte: Blog Zonas de Conflito. Rui Alves Grilo ragrilo@terra.com.br
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor em Ubatuba (SP).
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