Depoimentos de policiais do caso de Santo André, revelam que o grupo de elite da Polícia Militar não tinha autorização do gabinete de crise - formado pelo governador José Serra e pelo secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão - para dar o tiro de neutralização no seqüestrador Lindemberg Fernandes Alves, que subjugou por mais de 100 horas a namorada Eloá e sua amiga Nayara e nelas atirou, provocando a morte da primeira e ferimentos na outra. Difícil acreditar nessa versão, mas, se a ordem (de não atirar) realmente partiu do palácio, o governo tem a obrigação de explicar e convencer a população quanto aos motivos técnicos dessa decisão. As autoridades precisam esclarecer a razão da definição sobre o tiro ser de um gabinete burocrático e não da equipe que acompanhou o caso desde o começo mantendo o seqüestrador sob a mira de policiais especialmente treinados (inclusive psicologicamente) para a missão. Com certeza, esses profissionais, além do preparo, ainda dispunham de melhores condições para decidir e agir com mais precisão do que seus chefes, reunidos sob o ar-condicionado, a quilômetros dali. Se tivessem a necessária autonomia, talvez, a vítima continuasse viva e o Estado de São Paulo São Paulo teria um criminoso a menos para julgar e cuidar. É estranho que o poder público faça grandes investimentos para manter grupos especializados de polícia - como o GATE - e limite sua atuação, justo na hora em que a competência e experiência de seus integrantes poderiam fazer a diferença entre a vida e a morte de inocentes submetidos a atos criminosos. As polícias paulistas mantêm intercâmbio com suas congêneres dos pontos mais avançados do planeta, investem em treinamento e, na hora da emergência, são os políticos e burocratas que decidem... No exterior ocorre o contrário. Recentemente, por questões de magnitude infinitamente menor que o seqüestro de Santo André ou, até, por um simples engano, a polícia matou brasileiros. Esses tristes episódios não servem de exemplo, mas demonstram a autonomia das polícias de lá, lamentavelmente perdida pela instituição paulista, especialmente por seus elementos de elite. Se o governador José Serra, o secretário Marzagão e auxiliares participaram da decisão de poupar o seqüestrador Lindemberg, produzindo como resultado a morte e ferimento de suas vítimas, devem explicar tudo à comunidade. Precisam esclarecer o ocorrido e convencer das razões da transferência da decisão operacional do "teatro" dos acontecimentos para a sede do governo. Não podem deixar nem ao menos parecer que a ordem de não atirar tenha alguma relação com o processo eleitoral em curso ou com qualquer outra razão que não se relacione exclusivamente com os ditames da segurança pública. E, mesmo que expliquem, espera-se do Ministério Público, com sua inequívoca independência, a mais acurada apuração de todo o ocorrido para que a sociedade não mergulhe no mar da dúvida e da descredibilização das autoridades. O episódio, se verdadeiro, abre um perigoso precedente. Seqüestros ocorrem todos os dias, com mais, menos ou nenhuma divulgação. A população não pode conviver com a cruel incerteza de se, na próxima ocorrência do gênero, o governo vai deixar ou não a polícia com a decisão técnica e solitária de, em situação extrema, atirar no seqüestrador para salvar a vítima... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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