Não há nada mais triste no mundo que o cansaço. Ele nos impede de fazermos as tarefas mais simples. Afinal, já fizemos tanta coisa que é de praxe o cansaço dar o ar da graça e ficamos inertes. O estágio maior é a preguiça. Ah, essa sim nos deixa cansados. Cansaço pior é aquele do fim do dia, depois de horas a fio de trabalho. Parece que as badaladas chegam depois do meio-dia, mas ainda há muita estrada para o ponteiro do relógio de ponto marcar as seis. Quando se mora longe do trabalho a tarefa de se deslocar para casa, por mais desejada, se torna um fardo. São três conduções para ir e para voltar. Mora-se na Penha, trabalha-se no Morumbi, falando-se na megalópole paulista. Resultado: um ônibus, metrô, uma van, 15 minutos e outros 15 andares acima para chegar ao escritório. Na volta existe um estranho ritual que os próprios passageiros de ônibus inventaram para que a viagem, digamos, fique agradável: quem está com pressa de ir embora fica na fila ’dos que ficam de pé’, já quem quer mais conforto vai para a fila dos que ’ficam sentados’, esta menor e que pára de 30 em 30 pessoas, ou nem isso. Dentro dos microônibus o processo não muda, mas como há menos espaço, impera algo mais diferente: quanto lota o cobrador [ou trocador, depende da região desta Babel onde este texto vai parar] fala para aquele em pé que entrou primeiro, e agora está por último, para dar mais um passo para trás, pois van que se preze é como coração de mãe: nem preciso terminar o ditado... Não é de estranhar as caras e bocas que todos os outros passageiros fazem quando se ouve o sonoro: "um passinho para trás, por favor!". É fato: não há como não dar um passo ao pé do vizinho. Não dá para ver os carros lá fora e os sinais de trânsito. Ouve-se uma buzina, porém não se vê veículos. As janelas servem de escora para as mãos. Certa vez estava no ônibus e não tinha mais lugares reservados aos idosos, gestantes e portadores de deficiência. Uma jovem entrou com uma criança de colo e ficou em pé com o pequeno. Como ninguém cedeu um lugar, ela pediu para que alguém segurasse a criança. Pois bem, uma senhora, eu acho que ela beirava uns 70 anos, cedeu o colo para pegar o menino, como fosse seu neto. Não sei o que aconteceu depois, pois eram tantos ombros, sacolas, marmitas vazias, mochilas surradas e problemas nas cabeças que tamparam a visão deste momento que – penso eu – só meia-dúzia de pessoas viram. Tinha ficado na fila ’dos de pé’. Enfim, todos os dias é esta lamúria para decidir em qual lugar vou ficar. Agora mesmo estou pesando se vou em pé ou sentada. Como está meu cansaço? Como está a preguiça do outro? Como está o humor do cobrador? Não sei, mas todos têm um objetivo só, além de sair do serviço e ir para casa: prosseguir. Nota do Editor: Keli Vasconcelos é jornalista de São Paulo – Capital. Já atuou em rádio, assessoria de imprensa e editoras. Faz freelance, colabora com alguns veículos e busca sempre um espaço. Principalmente no ônibus.
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