O jornalismo diário tem essa característica: o leitor busca nas notícias de todos os dias os elementos para formar o painel de opinião com que deve construir ou consolidar sua visão de mundo. Não a visão de mundo profunda, aquela que vai orientar a sua vida no longo prazo, mas aquela visão do horizonte mais próximo, que vai balizar suas ações mais imediatas. Essas informações são essenciais, portanto, para a tomada de decisões que podem parecer simples, como o dilema entre reformar um carro velho e comprar um carro novo. Ou simplesmente poupar o dinheiro para outras necessidades ou planos. O noticiário dos jornais brasileiros sobre a crise econômica mais grave que já ocorreu no mundo não está ajudando o leitor a tomar essas decisões tão comezinhas. Na sexta-feira (31/10), por exemplo, ao reproduzir quase sem filtros a euforia manifestada no dia anterior pelas bolsas de valores, os jornais induzem as pessoas a esquecer por um momento que uma recessão bate às portas dos países mais ricos. Esses períodos de alívio repentino podem se refletir na retomada do consumismo, reduzir a poupança coletiva e comprometer a capacidade de pagamento das famílias mais adiante. Movimentos especulativos Os telejornais de quinta-feira (30/10) e os diários de sexta foram à abertura do Salão do Automóvel em São Paulo e retratam esse momento de reflexão do brasileiro: comprar ou não um carro novo? O que a imprensa nos conta é que existe uma multidão de potenciais compradores à espera de sinais de otimismo para se lançar ao consumo. Depois, vêm os gastos quase inevitáveis com presentes e viagens de fim de ano, e o cenário ainda é sombrio. Ao refletir diretamente o vai-e-vem do mercado de ações, a imprensa pode estar criando expectativas que não irão se concretizar. Além disso, deixa no leitor a impressão de que os investidores em geral estão voltando a ganhar dinheiro, o que seria um bom sinal, quando na verdade apenas alguns estão realizando lucros. Ninguém pode afirmar quanto dos resultados positivos das bolsas de valores – que animam os consumidores nos últimos dias – se deve justamente ao movimento de especuladores, que provocam quedas repentinas para comprar ações em baixa e depois induzem movimentos de alta ao voltar às compras. O falso brilho do mercado parece cegar a imprensa.
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