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SEÇÃO
Crônicas
07/11/2008 - 07h10
Gente fina viaja de Mercedes
Marleuza Machado de Melo Oliveira
 

Por estar desprovida de um automóvel de uso pessoal, ela tem a oportunidade de andar de “Mercedes”. E com motorista particular. Comporta 36 passageiros sentados e um número incalculável de pé. Na cidade, a maioria o chama de “coletivo”, suprimindo a palavra transporte, para facilitar o diálogo. Só aqueles que possuem mente mais fértil com tendências a fantasiar a vida é que lhe dão um nome imponente. Mari é uma delas.

Talvez seu comportamento esteja associado ao fato de que não utilizava esse sistema até bem pouco tempo. Era casada e o carro da família se destinou ao marido na partilha dos bens. Faz uso do transporte coletivo só no retorno do trabalho, cujo expediente encerra-se às 18h00. Mari está reaprendendo a enfrentar a vida e, por mais difícil que pareça, ela a vê com bons olhos. Em face disso, desenvolveu também aquela conhecida síndrome, procurando o lado positivo dos acontecimentos. E tem um detalhe bem peculiar na sua personalidade: visualiza comicidade em tudo.

É por isso que ela se diverte durante a viagem e os momentos que a precedem. Descobre figuras humanas interessantes, como aquelas que atendem o celular aos berros, pensando que do outro lado o outro tem os mesmos ruídos que se ouvem dentro do veículo. Os assuntos são os mais variados e tornam-se públicos assim que o cidadão pressiona a tecla verde. Acha divertido também os estudantes com suas mochilas imensuráveis; ao passarem provocam um verdadeiro arrastão e Mari confere sempre para ver se falta alguma peça de seu vestuário ou acessórios, ouvindo os xingamentos de algumas mulheres que tiveram suas meias desfiadas. E o que falar das bolsas gigantes que as cidadãs usam? Ela fica imaginando que necessário seria um veículo específico para transportá-las. E ri dessa idéia, esquecendo-se que também leva uma a tiracolo.

Mas para ela, bom mesmo é embarcar nos terminais. Lá existe luta ferrenha tanto no embarque, quanto no desembarque. O ônibus pára num mesmo local para realizar os dois procedimentos. Enquanto uns precisam sair, outros querem entrar. Nesse momento, não há entendimento possível e a confusão se estabelece de forma fantástica! Educação e civilidade são palavras totalmente desconhecidas para muitos. A impressão que se tem é que alguém deu a ordem: Atacar! É um corpo-a-corpo de matar! Até Mari, que se gaba da sua fineza, nessa hora perde a compostura – talvez porque não haja possibilidades de agir de outra maneira – na posição em que se encontra só lhe dão duas alternativas: entrar ou entrar! Nem cabe esforço de sua parte; “gentilmente” é colocada dentro do veículo.

Ela, como todo trabalhador cansado, no final do dia quer retornar sentadinha num banco de sua “Mercedes”. Bem, neste caso, querer quase nunca é poder. É muito pior que a corrida dos espermatozóides em busca do óvulo, mas com uma vantagem: Há mais de um assento na disputa. Se viajar de pé, aproveita as freadas bruscas e as curvas fechadas que faz seu experiente motorista, para treinar e alongar a musculatura. Já está toda durinha! Quando consegue atingir seu objetivo na corrida pela poltrona, faz a viagem, confortavelmente, ouvindo uma rádio cujo slogan é “a FM leve da cidade”. Aí fica curtindo o paradoxo da mais fina MPB com o peso do trânsito caótico, o aperto e odores diversos. Nos benditos assentos reservados aos idosos, deficientes e pessoas com criança de colo, nem pensa em sentar-se. E não é por ser cidadã consciente dos seus direitos e deveres: Mari sabe que, a qualquer momento, haverá de cedê-los a quem de direito. Melhor evitar esse contragosto.

Quando seu celular toca durante o trajeto, aí ela esnoba! Dá uma demonstração de como é fina e educada. Fala quase num sussurro e ainda esbanja seu vocabulário de um inglês precário:
- Hello!
- Ainda estou no bus.
- Bye Baby!

E assim, sacolejando, alongando, cantarolando, nem percebe a infinidade de paradas que o ônibus faz. Aprecia a paisagem cinzenta e enfumaçada, encanta-se com o colorido das luzes nas fachadas das lojas, chega a distrair-se e só percebe que é hora de saltar, quando chega aquele momento mágico: ela ouve as primeiras notas de “O Guarani” de Carlos Gomes. É o fim da linha!


Nota do Editor: Marleuza Machado de Melo Oliveira é jornalista.

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