Ela teve certeza de o noivo aceitá-la como esposa pouco antes do casamento. Os dois assistiam a um concerto de Paganini, quando o spalla iniciou um stacatto que ela aproveitou para livrar-se sutil do infortúnio. Pois no mesmo tom e timbre, a noiva, acometida de flatulência congênita, emitiu um si bemol daqueles. Algo de lhe render muitos “bravo!”, estivesse no palco. Na platéia, só o moço lhe prestava atenção. E ele percebeu. Tudo. Mas como um inglês refinado, desses que têm letras, ele bem soube dissimular sua surpresa... que não foi má, haja vista a expressão de divertida alegria, quase de entusiasmo, que o tomou. Casaram-se, enfim, sem constrangimentos intestinais: por incentivo dele, a jovem esposa liberou as ventosidades e, tanto na ida à igreja quanto na volta, esvaziou o próprio ventre com lufadas de vencer toda calmaria. O casamento segue, assim, de vento em popa, a todo vapor como num mar de rosas, e à mulher já nada lhe inibe a emissão de flatos. Mesmo socialmente não se aperta e, como o stacatto de Paganini, encanta a todos. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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