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Crônicas
14/11/2008 - 12h00
Autoria, ofício à margem
Nei Duclós
 

Criar é um verbo ainda não assimilado totalmente pela nossa cultura. Ouvi dezenas de empresários confundindo esse verbo com copiar. É sério: "Criamos o produto tal. Meu pai foi ao Japão e me enviou o desenho por fax". Na gigantesca máquina da indústria cultural, a autoria remunerada está confinada a alguns nichos, como os programas de humor (que assim mesmo chupam demais) e, é claro, às novelas e mini-séries (também território minado pela cópia). Normalmente, a criação passa lotada pela grana e fica sendo uma espécie de atividade amadorística, nunca vista em sua real dimensão.

Falo isso a propósito de uma longa entrevista dada pelo Moacir Franco numa emissora de TV, há tempos. Sempre gostei da voz de Moacir Franco e costumo cantar, para desespero dos que me cercam, seus grandes clássicos românticos. O magnífico cantor (e péssimo humorista) conta que foi elogiado por Belchior, que o coloca no alto, como um dos grandes intérpretes da nossa música, que teve a sorte e o privilégio de gravar seus discos com as melhores orquestras e os mais renomados maestros. Naquele tempo, décadas de 40 e 50 (era Vargas) as rádios tinham cantores contratados com carteira assinada e orquestras magníficas. Hoje temos o jabá institucionalizado.

Só tocam porcaria e inventam sucessos do baticum tecno ou da gritaria pseudo-sertaneja. Foi-se a harmonia, a melodia, o arranjo sofisticado, a concentração nostálgica, a emoção. É tudo desespero e horror barulhento, como se houvesse a necessidade autoritária de enlouquecer as pessoas para que elas possam servir de bucha de canhão, para que não tenham identidade própria e se percam na falta de referência, no exílio da reflexão e na falta de acesso à fonte maior de uma vida independente e produtiva, que é o amor. Amor e concentração não servem ao poder que nos pune. É preciso que as pessoas fiquem longe uma das outras, que afundem na depressão, que se dispersem (ou só se concentrem no que interessa aos poderosos). Isso as torna dóceis, além de abrir vasto mercado de consultorias e aconselhamentos. Como não existe música, arte, ao alcance de todos (na TV aberta, nas rádios), o monstro do mal toma conta das mentes, que batem enlouquecidas nas portas dos grandes picaretas.

Mas o que quero destacar aqui é o que Moacir Franco falou sobre a necessidade de autores. Ele se referia aos programas de humor, mas serve para o resto. Tive a oportunidade de escutar a seguinte pérola numa revista semanal: "Por que você quer publicar esta matéria? Ela não saiu ainda na Veja nem na Globo!" Tentei argumentar que era por isso mesmo, éramos concorrentes da Veja, ou não? Fui olhado com muita estranheza. É tudo verdade. Na TV Record, pautei uma matéria sobre lixo tóxico em plena capital. Houve uma grita: "Mas isso não saiu ainda na televisão". Já escaldado, argumentei: "Mas saiu na mídia impressa. Vamos em cima". Pois foram. De repente chega repórter com o brilho nos olhos, depois que nossa matéria foi ao ar: "A Globo nos chupou, a Globo nos chupou". Ela não imaginava que isso pudesse ser possível.

A autoria é algo que não faz a ficha cair em muitos lugares. Já trabalhei também em publicidade, que em tese é o lugar onde o autor ganha melhor. Quando chegava a proposta de uma campanha, eu ia direto para a máquina de escrever (sou do tempo do tec-tec). Meu diretor de arte ia para o anuário de publicidade americana. Eu dizia: "Ei, temos a chance de criar!" Ele sorria, como se eu estivesse falando asneira. E não faltam autores no Brasil. O que mais existe hoje é piada de autoria anônima. Quem são os autores? Gente criativa que está fora do mercado, que faz por prazer. Tudo acaba indo para o bucho de meia dúzia bem instalada na mídia, que apenas tem o trabalho de repassar a criação para o ar.

Tenho visto novos grupos de humor na TV. Todos copiam o Casseta & Planeta. Para quê, meu Deus? Nos Estados Unidos existe humor de tudo quanto é tipo. No Saturday Nitght Live, tem apresentador de telejornal fictício, que mata a pau. Tira-se sarro de pessoas poderosas. Sitcoms fazem piada sobre família, relacionamentos amorosos, caipiras, tudo. Há uma enorme diversidade de autores. Por que não apostamos nos nosso autores? Moacir Franco diz que, em função disso, temos que importar autoria do Japão, Europa, Estados Unidos, o que custa uma nota preta. Ele informa que a Globo tem 115 autores contratados, o que está de bom tamanho. Mas é preciso que haja mais espaço nas outras redes.

Os autores precisam viver do seu ofício. Não existe maior prazer profissional do que criar. Gosto, como muita gente, da frase imortal de Nilton Santos: "E ainda nos pagam para fazer isso". É preciso pagar. Há mercado, há espaço.


Nota do Editor: Nei Duclós é autor de três livros de poesia: "Outubro" (1975), "No meio da rua" (1979) e "No mar, Veremos" (2001); de um romance: "Universo Baldio" (2004); e de um livro de conto e crônicas: "O Refúgio do Príncipe – Histórias Sopradas pelo Vento" (2006). Jornalista desde 1970 e formado em História.

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