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E-mails à redação
15/11/2008 - 08h24
Pérolas do vestibular
Rui Alves Grilo
 

Frequentemente recebo e-mails com o título acima, com uma longa enumeração de erros. E fica nisso. Na simples constatação.

Ouvindo o debate do III HIP HOP DA PAZ e os questionamentos que foram feitos sobre a qualidade das letras, fiquei pensando nesse texto e me lembrando da imagem da sala do Ferréz, que embora muito simples, em plena favela, ostentava uma galeria de livros de grandes autores. Ele mesmo diz que a literatura o salvou e lhe permitiu ser convidado a freqüentar requintados ambientes da Europa.

Numa leitura mais atenta, o que o vestibular mostra é a falência de um ensino de Português fundamentado no ensino da gramática, desde a mais tenra idade.

E não adianta vir com o argumento que a escola antiga que era boa.

Você iria a um médico que, de dez clientes conseguisse bons resultados com apenas 2 ou 3? Assim era a escola antiga. Uma escola que atendia apenas a elite. Era outra situação. A maior parte das mães não trabalhava fora e tinha todo o tempo para conversar com a criança de tal maneira que, quando ia para a escola, já tinha um vocabulário bem desenvolvido e já havia ouvido muitas histórias e absorvido a estrutura de um texto, com começo meio e fim. Já havia absorvido naturalmente as principais estruturas sintáticas e regras gramaticais da língua materna. O que a escola precisava era burilar a gramática da língua escrita que é diferente da linguagem oral.

Grande parte do que se apresenta como erro, na verdade é uma contaminação da linguagem escrita pela linguagem oral, pois esta comporta uma maior variedade de expressões. Por exemplo: na região de Sorocaba se fala gente (com “e” final pronunciado e); na maior parte do estado de São Paulo é pronunciado “genti”; em parte do nordeste se pronuncia “xenti”. São variações da mesma língua – a língua portuguesa – que é unificada pela escrita. Grande parte da dificuldade de leitura de Guimarães Rosa é porque ele tenta aproximar a escrita da oralidade do sertão de Minas Gerais.

Paulo Freire afirmava que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Qual é a leitura que o jovem faz do mundo? Se o jovem faz essa leitura e se sente chamado a participar, a intervir, ele mesmo sente que, para conseguir melhor resultado é preciso dominar a escrita para poder utilizar todos os recursos possíveis. Não se pode negar que a tecnologia trouxe um componente de democratização ao permitir a participação daqueles que apenas dominam a linguagem oral. Mas a tecnologia não é neutra e, hoje, cada vez mais, os movimentos populares vêem a necessidade de fazerem os seus próprios registros em áudio e vídeo para discutirem a realidade do seu ponto de vista e não pelo ponto de vista da classe que tem o poder econômico e político. Recentemente, na PUC de São Paulo houve uma mostra de filmes sobre a realidade indígena feita pelos próprios índios. Também já há historiadores, advogados e outros profissionais liberais indígenas e negros. Quase toda a militância operária viu a necessidade de formação acadêmica para melhor defender seus direitos e não ser manipulado pela elite dominante.

Há necessidade de uma mudança radical no ensino ou uma volta ao aspecto formativo da escola porque informações há em quantidade mas o outro para ouvir e dialogar é cada vez mais difícil. A escola tem sido vista como um depósito para tirar a criança e o jovem da rua. Mas se não houver clareza no que fazer e no como fazer os resultados poderão ser desastrosos como mostrou a recente rebelião na Escola Estadual Amadeu Amaral, em São Paulo. Segundo o professor Sérgio Kodato, coordenador do Observatório da Violência e Práticas Exemplares da USP de Ribeirão Preto, esses fatos decorrem da fragilidade da falência das instituições. “A violência é fruto da decadência das instituições, principalmente das escolas públicas. As instituições são mecanismos civilizatórios criados para diminuir os conflitos sociais. E quando não cumprem seu papel, vem à tona uma carga de violência. Pesquisas indicam que um terço dos alunos não sabe o que faz na escola. Um grupo grande de alunos não vê sentido na escola”.

Segundo ele, hoje não há só atos de vandalismo. “São atos organizados, planejados, aquilo que na época de movimento estudantil chamávamos de união e organização. A maior vítima das escolas é o processo pedagógico. Perdendo ele, boa parte dos alunos se perde também. (...) São atitudes reativas, um grito contra o modelo que os incomoda. Para os alunos fazerem isso, deve ter tido um histórico de escola ruim, deteriorada e maltratada. É como uma rebelião, como nas ’boas’ épocas da Febem”.

O ensino de literatura pode ser um importante elemento formador se tiver como finalidade o conhecimento de si, do outro e do mundo.

Em seu livro “Esmeralda - Porque não dancei”, a autora, uma adolescente que vivia na Praça da Sé e ex-viciada relata:

“Quando comecei a escrever, percebi que isso estava me ajudando a organizar na minha cabeça tudo que tinha acontecido na minha vida.” “Fazer o livro está sendo fazer um acerto na minha vida...” “O livro me fez ver de onde eu vim e, se eu voltar a usar droga, pra onde eu volto. Indo pra casa onde morava onde morava minha mãe, eu vi que o que me levou pra rua não foi a pobreza... foi a violência da minha casa” “O pior é que a Febem era uma porcaria. A boa lembrança de lá, uma das esperanças que eu encontrei, foi eles levarem cantores famosos que ouviram minhas músicas.”

Neste trecho dá para perceber a importância da arte no resgate da identidade e na abertura de um projeto de vida. Um pequeno instante, uma pequena atividade, serviu para ela ver alguma esperança no futuro.

Na segunda guerra mundial, em outro espaço, em outro tempo e em outro meio social, vejamos o que diz Anne Frank:

“Quero escrever; e, mais que isso, trazer à tona uma porção de coisas de todo jeito que estão enterradas no fundo de meu coração.”

“...com todos os amigos: não vamos além de brincadeiras e gracejos. Não consigo tocar em assunto que não pertença à rotina. Não nos conseguimos aproximar uns dos outros, e esta é a raiz do problema... Daí, este diário... quero que este diário seja minha amiga...”

Se Anne Frank, presa num sótão, cercada de adultos queridos, sentia-se solitária e via na escrita uma saída para manter o equilíbrio físico e mental, como se sentem os jovens hoje, que mal tem contacto com os pais e seus familiares, quando as relações sociais são cada vez mais conflituosas, estimuladas pela competitividade a qualquer preço e pelo consumo desenfreado, sem perspectivas de um futuro melhor.

Não seria a leitura e a escrita grandes parceiras para a busca de soluções e formação de valores?

Se a escola conseguir despertar o prazer e a continuidade da leitura já terá dado um grande passo.

Rui Alves Grilo
ragrilo@terra.com.br


Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor em Ubatuba (SP).
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