Clara era mineira da gema, e se tornou internacional pela voz e pelo pensar. Até hoje ninguém penetrou em meus ouvidos da forma como ela; não tinha que pedir, entrava trazendo seu rebolado, que se alojava nos meus pensamentos. Quatro anos mais velha do que eu, seria a coroa de minha vida, se assim tivesse desejado. E claro que a Clara antes deveria me conhecer. Mas eu era apenas um entre os milhares que adquiriam seus discos a cada lançamento, sempre sucesso absoluto. E o meu “país das fantasias” foi coberto de saudades no dia 02 de abril de 1983, quando Clara Francisca Gonçalves Pinheiro, conhecida como Clara Nunes, foi chamada a alegrar o céu, e igualmente se vestiu de preto a nação africana onde, como diplomata das canções, a mineira de Paraopeba (Caetanópolis) representou o Brasil nos países da África negra. Talvez eu devesse dar por título “A mineira mais africana que conheci”. Mas sou filho adotivo da Bahia e tenho que puxar a sardinha para a minha brasa, ou melhor, puxar a sereia. Assim, Clara se envaidecia ao chamarem-na desta maneira. Ela melhor do que outra mulher cantou as músicas afro-baianas. Sou cristão, de doutrina não-umbandista ou de candomblé, mas devo reconhecer que na voz de Clara, os rituais religiosos dos negros se tornavam sinfonias internacionais. Sem templos, ecoavam livres, como ótima degustação musical. E eu, que prego que meu Deus é seu também, não posso deixar de dizer que em “Deusa dos Orixás” ela se superou. E não resisto a não ouvir esta canção no momento em que escrevo sobre Clara, que faleceu em abril e nasceu em agosto. Por que hoje resolvo homenageá-la? O dia 20 de novembro é o “Dia da Consciência Negra”, eis a razão. As datas de 20 de novembro de cada ano estão convencionadas, no Brasil, como o “Dia da Consciência Negra” e são dedicadas à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. Por favor, preto não! Mas deveria se chamar “Dia da Consciência Sobre a Raça Negra”, data em que faríamos uma reflexão sobre o passado de luta deste povo, de suas tradições que, independentes da mística espiritual, são uma forte razão para meditação. “Negro quando pinta tem três vezes trinta”. Não é assim a máxima popular? Pois é, são gente de uma raça forte, tão fortes quanto os que acreditam no potencial de todas as raças. Claras ou escuras. E por isto as lendas do continente africano me encantam como me encanto com os “Contos dos Irmãos Grimm”. Não gosto de falar de raças com separatismos, pois um forte elo nos une: a presença do mesmo Deus em todos nós, mesmo que Ele seja chamado de Ogum – Deus da Guerra – afinal a vida dos africanos, que foram caçados como “bichos da floresta”, sempre foi de luta, de guerra para estarem hoje entre nós. Se Deus considerar pecado de nossos avós, saiba o Mestre que não creio em pecado hereditário, razão pela qual minha amizade e consideração aos meus irmãos negros não se dão por nenhum resgate, mas pela meditação de que somos iguais, uns com a pele mais resistente. Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.
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