O luar incidiu sobre minha fronte levantando fragmentos de um passado recente. A lua, tal qual uma sonda, perscrutou minha mente e me tirou o sono. Refleti, inquietei-me, arrependi-me. Fui algoz de mim mesma e nas poucas horas de sono tive pesadelos. Mas, não há volta. A pedra atirada não retorna com a força do pensamento. Pensar trouxe-me sofrimento e a tentativa de retomar o controle de minhas ações, por meio de uma camisa-de-força que torce meu corpo em tensões. Talvez tenha amadurecido em uma noite. Pode ser que eu consiga manter as rédeas de um coração louco que vence a razão quando solto sem que tenha de privá-lo do bom viver. Não desejo mais a dor que a perfuratriz lunar me causou. Que graça tem a vida levada tão a sério? Quero o amadurecimento tranqüilo e sem aflições. A noite foi de açoites e deles posso tirar proveito, mas declino da força que me poda a emoção de viver. Pretendo correr com os lobos como corriam as mulheres de outrora, antes de serem castradas por séculos de opressão, como já quis um dia. Resgatarei a força da mulher selvagem, pois dela preciso para viver. Debruçar-me-ei novamente sobre Mulheres que Correm com os Lobos, livro da psicanalista junguiana Clarissa Pinkolás Estés, como auxílio terapêutico nesse novo despertar. Há alguns anos atrás li e senti a centelha desse poder feminino, quero agora me aprofundar mais um pouco. Sem pretensão de desvendar os arquétipos junguianos da obra citada, deixarei guiar-me tão somente pela sensibilidade e conscientização de tal poder. Quem sabe resgatarei a sabedoria do mito da “mulher-esqueleto”, aquele que ensina que “precisamos encarar e desenvolver um relacionamento com a natureza da vida-morte-vida. Quando temos esse tipo de relacionamento não saímos mais por aí à caça de fantasias, mas nos tornamos conhecedores das mortes necessárias e nascimentos surpreendentes que criam o verdadeiro relacionamento", como ensina a autora. Terminarei a dança da chuva e tentarei mais uma vez correr livremente com os lobos nos próximos luares. Nota do Editor: Evelyne Furtado é cronista e poetisa em Natal (RN).
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