Quem pense estrategicamente terá de considerar na paisagem futura uma freqüência mais intensa de crises na economia do país central e no próprio sistema. No ambiente de negócios, na mídia e nos círculos políticos, ainda predomina entre nós a tendência a olhar essas crises somente como nuvens negras. Mas será que elas constituem apenas ameaças? A crise da economia americana gerada em decorrência da ficção que encharcava o mercado imobiliário daquele país tanto poderá ser contida quanto poderá agravar-se. Para o caso de a segunda hipótese evoluir, os observadores do lado de cá prevêem, quase unânimes, o acirramento da competição no mercado internacional. Seja qual for a paisagem futura da economia mundial e até para ser coerente com os impulsos internos, dos quais o Plano de Aceleração do Crescimento é o mais sintomático, faz-se oportuna uma estratégia para tirar proveito da crise do sistema. Duas identidades são decisivas nesse processamento: o governo e o ambiente empresarial. No governo, têm de ser considerados os ministérios da área econômica, o das Relações Exteriores e agora o Ministério de Ações de Longo Prazo, que absorveu o Núcleo de Assuntos Estratégicos. Se o governo quiser desenvolver uma estratégia para a paisagem futura que a cada dia fica mais nítida, terá de reconstruir seu papel perante o ambiente de negócios e a sociedade como um todo. A transformação consiste em deixar de ser um guichê para converter-se em um agitador cultural com clareza de objetivo. Já os círculos empresariais poderão deixar sua relação incestuosa e ao mesmo tempo mal-agradecida com o Estado para viabilizar a revolução cultural que a nova estratégia vai exigir. Os negócios ganharão muito mais do que se permanecer o atual medo de mudanças, clima psicopolítico que só tem produzido queixas de comadres. Os círculos empresariais, ao engajar-se na estratégia, serão ao mesmo tempo seus beneficiários. No primeiro momento os contingentes executivos, tanto os da administração pública quanto os do ambiente de negócios, talvez não se apressem em perceber a oportunidade de tal estratégia. É que, mesmo nos níveis mais elevados de escolaridade, são influenciados pelo olhar da mídia que só está conseguindo enxergar a realidade com a óptica global. Nada de errado em haver assimilado um "olhar vindo de fora", mas não pensar a partir de dentro é um tapa-olho que só oferece a realidade incompleta e, no caso, dificulta à mente despedir-se de táticas defensivas para gerar uma estratégia. Por ser uma atitude heurística da inteligência, a estratégia não é um joguinho bem comportado que se enquadra em fórmulas ou procura se justificar com demonstrativos da realidade. Destina-se a alcançar o que se afigura impossível, a vencer o invencível. Por isso, na situação aqui enfocada, o desafio modal poderá ser enunciado no diapasão: "Como a economia brasileira poderá tirar proveito da retração dos grandes mercados compradores". O processamento desse desafio levará à necessidade de criar, interna e externamente, uma imagem de país diferenciado e diferenciador, capaz de acrescentar diferenciais e atrativos a tudo que ofereça. E o nome desse milagre é Inovação. O núcleo dessa estratégia só poderia mesmo ser Inovação. Mas o que é Inovação? A pergunta não visa desqualificar o que se conceitua nos países centrais, que é um velho sermão salvador e sensibilizador, nem o que majoritariamente se oferece no Brasil, quase sempre uma aula copiada de uma leitura deslumbrada e acrítica. É de uma ingenuidade auto-sabotadora imaginar que prover recursos seja suficiente para incentivar inovação na sociedade brasileira. O poder público terá que desenvolver uma "diplomacia intrafronteiras" e ousar o papel de agitador cultural não só junto aos círculos empresariais, mas no conjunto da sociedade. Se não envolver todas as camadas sociais, tudo será mais difícil e mais lento. Para isso, será preciso alimentar e capitalizar uma mística interna. Não serão necessários artificialismos. Uma leitura antropológica mostrará disponibilidades que poderão ser capitalizadas. A estratégia terá que ser respaldada mediante a metodologia do pensar inovador e cuidar de gerar uma ecologia que realimente os processos e atitudes. E nunca é abusivo lembrar: estratégia não é só para o longo prazo. Nota do Editor: José Leão de Carvalho é presidente e diretor metodológico do Ilace (www.ilace.org.br).
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