No início do cerco, quando os soldados investiam apenas vez e outra, e assim mesmo contra pequenos grupos, a maioria conformava-se com o benefício da dúvida: talvez ainda não se justificasse um levante. Os curiosos, com leviana excitação, alardeavam fatos escabrosos e os rebeldes, dos quais esperava-se o primeiro brado, perderam tempo com discussões sobre teoria da ofensiva: a quem caberia a iniciativa da reação? Jornais inflamavam-se de indignação liberal, como se tal evitasse o fim do crédito e a escassez de alimentos. Enfim, apreensivos, mas ainda confiantes na capacidade de resistência, acreditavam que tudo era fase. Mas, um dia, a fome tomou-lhes metade das carnes... da mesma forma que perdiam para seus perseguidores a liberdade de ir e vir. E agora, como se comunicarem? Já não havia passado a oportunidade de reação? Pegaram-nos, enfim, e já no pátio das execuções reuniram-se de cócoras sem rezas nem protestos. Quando um deles era chamado, apresentava-se. E, assim, um a um, sumiram todos pela mesma porta! Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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