As tragédias provocadas pelas enchentes e deslizamentos de encostas, mais uma vez, expõem o sofrimento e o flagelo das populações atingidas. Santa Catarina, norte do Rio de Janeiro e Espírito Santo registram os casos mais evidentes, mas o fenômeno é nacional e se repete anualmente e até com mais freqüência, dependendo da intensidade das chuvas. Na maioria dos casos, conseqüência da ocupação desordenada e irresponsável de áreas de risco e da inoperância do omisso poder público, que tem (mas não cumpre) a obrigação de fiscalizar. Vivemos, no Brasil, séculos de ocupação predatória. Sucederam-se a agricultura primitiva que dizimou a floresta, os habitantes urbanos sem qualquer respeito a morros, encostas ou cursos d’água e, mais recentemente, a desordenada massificação populacional, que impede a absorção dos impactos pela natureza. Além de mal ocupados, os lugares perdem gradativamente a cobertura natural, áreas típicas de inundação viram favelas e até bairros regulares, os rios são transformado em esgotos a céu-aberto e recebem como adicional indesejável os móveis, pneus velhos, garrafas e tudo mais que a população quer descartar. Até as ruas regularmente abertas sofrem inundação porque sua rede de galerias recebe lixo, panfletos e restos de construção. Com todos esses problemas primários, somos bombardeados diariamente pela campanha ecológica contra o aquecimento global, o derretimento das geleiras polares, o buraco na camada de ozônio e o desmatamento na Amazônia, agora transformada em presa pelos países que no passado construíram o desenvolvimento à custa da destruição de suas florestas. Sem dúvida, são temas de grande importância e providências inadiáveis, mas de nada adiantará atitudes de preservação geral se não fizermos a lição de casa. Sem deixar de pensar nas geleiras, no ozônio e nas aves migratórias, temos de cuidar dos problemas que nos cercam para que a água não nos afogue e destrua nossos pertences e o morro não caia na nossa cabeça. Respeitamos e somos solidários com os catarinenses, cariocas e capixabas que hoje sofrem. Devemos ajudá-los a superar esse momento difícil. Mas não podemos nos contentar só com isso. Assim que tudo estiver nos devidos lugares, é preciso atacar as causas das catástrofes para evitar sua repetição, tanto nos três Estados hoje flagelados, quando nos outros pontos do país (especialmente a periferia das grandes cidades) onde a população sofre o mesmo problema. Não podemos concordar que governantes e políticos compareçam ao local da tragédia e ainda faturem dividendos políticos como se toda a desgraça não fosse, em grande parte, fruto da falta de ação governamental. Esse cínico oportunismo até parece com as estórias dos folhetins onde o assassino chora ao lado do caixão da vítima e ainda consola seus familiares. União, Estados, prefeituras, órgãos técnicos e as forças da sociedade têm de se unir para evitar a ocupação de áreas críticas, desenvolver e implementar programas de remoção de população sob risco, realizar campanhas de esclarecimento público e, principalmente, inserir nos currículos escolares os cuidados ecológicos e ambientais primários. Além de fazer os investimentos necessários para resolver o problema já criado, temos a obrigação de prevenir as futuras gerações para os cuidados com o lugar onde vivemos e temos a obrigação de entregar em boas condições aos nossos filhos e netos. O Brasil das grandes construtoras, dos centros avançados de técnica e do saber e detentor de uma das maiores economias do mundo, não pode continuar inerte deixando seu povo morrer por causas tão previsíveis. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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