No filme “Villa-Lobos – Uma Vida de Paixão” há uma cena em que ele serve uma feijoada como se fosse um banquete e seus amigos se recusam a comer. A mesma cena provavelmente aconteceria se algum francês servisse escargôs aqui no Brasil. Para quem está acostumado com Faustão ou com o Gugu, é muito difícil acompanhar o Roda Viva. Somente a defesa ideológica dos ideais capitalistas e neoliberais, que pregam o estado mínimo e liberalização do mercado podem explicar os ataques à TV Brasil no editorial do Estadão intitulado “Para que serve essa TV” e publicado no Ubatuba Víbora. O telespectador foi formado pela TV comercial e não pela TV Pública porque como o próprio editorial afirma, a TV Brasil só dá traço, isto é, não tem audiência. E eu me lembro que, ao ser questionado sobre a validade de experiências pedagógicas em pequenas escolas, Paulo Freire as defendeu porque seriam exemplos de que é possível fazer algo diferente e mudar a realidade, sair da mesmice. Também Emilia Ferreiro, ao ser questionada sobre a introdução de práticas baseadas em sua teoria, formando professores das duas primeiras séries do ensino fundamental e que, essas crianças nos anos seguintes continuariam sua aprendizagem com professores tradicionais, ela retrucou dizendo que quem deu um passo à frente não voltaria para trás e, essas crianças, acostumadas com essa nova prática não aceitaria a pedagogia tradicional, desestabilizando os professores, forçando-os a mudarem suas práticas de ensino. Assim, quem tem acesso a programas diferentes tem maior possibilidade de mudar o gosto “e aceitar a feijoada ou o escargô”. Quem vê mundos e pessoas diferentes tem maior possibilidade de compreender e aceitar as diferenças socioculturais. Mesmo a TV paga, não difere tanto da TV aberta e não há grande variedade de opções. Os canais pagos que realmente se apresentam como opções diferentes, talvez atinjam menos telespectadores que as TVs públicas. Hoje, a Índia produz mais filmes que Hollywood mas não me lembro de ter visto algum filme indiano na TV aberta. Não se pode negar que nas tevês comerciais há bons programas, mas, geralmente não são no horário nobre. Enquanto a TV Cultura já atingiu a maioridade, sendo ainda muito criticada, a TV Brasil é recente, fruto da fusão entre a Radiobrás e a TV Educativa. Se seguir o padrão da TV Cultura, certamente teremos mais opções. A TV Brasil tem servido para criar e fortalecer a rede de TV pública, incentivando a produção de filmes e documentários que apresentem as diferentes e variadas culturas e paisagens locais. Também expandiu o intercâmbio, principalmente com os países da América Latina e com o Canadá, rompendo o isolamento do Brasil em relação aos países de colonização espanhola. Para atacar a TV Brasil, usa-se as divergências internas e possíveis perseguições políticas. No entanto, se esconde as perseguições que as grandes redes fazem aos artistas ligados aos seus sindicatos. O Observatório da Imprensa, programa que vai ao ar em vários canais da rede pública tem discutido o dano que se tem causado a pessoas, inclusive à crianças e adolescentes, desrespeitando tanto o ECA quanto as mais básicas regras éticas do jornalismo. Como exemplo podemos citar os casos da Escola Base, o Caso Eloá e do Padre Julio Lancelotti. Esse problema se estende também aos jornais, como Carlos Brickman, premiado ex-diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes, aponta em seu blog: “no lugar mais nobre de um jornal, saiu a notícia de que um cavalheiro afirmava ter mantido relações homossexuais com o padre Júlio Lancelotti, que o acusa de extorsão. Poucos dias depois, o mesmo cavalheiro negou ter tido relações sexuais com o padre. Saiu numa página interna, no canto inferior direito. A acusação mereceu um título grande; o desmentido, um título pequenininho. A acusação é feita em manchete, o desmentido precisa ser lido com lupa. Neste caso, mesmo que os meios de comunicação dêem o mais amplo espaço possível ao sacerdote extorquido e divulguem à exaustão as provas de que os acusados mentiram, a imagem pública do padre Júlio Lancelotti estará ferida. Sempre haverá os que leram as denúncias e assistiram às acusações e não a decisão final”. O próprio Brickman conclui, com uma certa ironia, que apesar do grande avanço tecnológico, fica-se na mesmice da futilidade, com notícias tão importantes como os exemplos abaixo: “Filha de Zezé Di Camargo diz que nunca beijou na frente do pai. Naomi Campbell toma sol de calcinha em Miami” Rui Alves Grilo ragrilo@terra.com.br
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor em Ubatuba (SP).
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