A leitura de “O Estrangeiro”, obra de Albert Camus, chocou-me pela ausência de sentimentos do protagonista que não chorou a morte da mãe. A vida de um trabalhador comum é interrompida pelo comunicado do falecimento de sua mãe em um asilo fora de Argel. Mersault, o protagonista, não se comove em momento algum. Comparece ao funeral e se não sente, não finge sentir. Ganha com isso a defesa do seu próprio criador que diz: "Em nossa sociedade, qualquer homem que não chore no funeral de sua mãe, corre o risco de ser sentenciado à morte". Eu apenas quis dizer que o herói do meu livro é condenado porque não joga o jogo. Sob este aspecto, ele é estrangeiro para a sociedade em que vive; ele vaga na borda, nos subúrbios de uma vida privada, solitária e sensual. Esse anti-herói sincero foi exaltado pelo criador do romance do absurdo, que seduz o leitor quando ao fim é julgado por um crime cometido em um raro momento de impetuosidade. Sua condenação se dá exatamente por não ter chorado a morte da mãe, uma vez que até a promotoria inclina-se à sua absolvição, afinal ele é branco, assim como o júri e havia matado um árabe, na Argélia colonizada pela França. A honestidade de Mersault, negando-se a afirmar que sofrera a perda da mãe, leva-o à condenação. A sinceridade do protagonista é sua virtude, concordo; a frieza diante da vida o torna desumano. Não faço uma resenha, faço divagações sobre a condição humana e os homicídios praticados por gente que deveria amar os que estão mais próximos de si. Foi durante um programa de TV, onde especialistas debatiam crimes desse naipe e as personalidades dos seus agentes, que lembrei de “O Estrangeiro” e percebi que existem pessoas como Mersault. Terminando sua participação no debate uma psiquiatra disse que o bem nega a existência do mal para se proteger. Eu também não levaria uma pessoa sem sentimentos para a minha casa, como disse Drª Ana Beatriz B. Silva ao se referir à adolescente que matou o pai e a mãe. Não havia sentimentos naquela menina quando foi ao motel depois de matar os pais, da mesma forma que não havia no personagem de Camus quando não chorou a morte da mãe. Nota do Editor: Evelyne Furtado é cronista e poetisa em Natal (RN).
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