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06/12/2008 - 05h31
Ciências exatas, ciências humanas, arte e cultura
Rui Alves Grilo
 

Eu me lembro que Guiomar Namo de Melo, uma das teóricas do projeto de educação do PSDB, ao se referir ao ensino de artes tratou-o como perfumaria e caberia à escola como tarefa principal se ater ao ensino de ler, contar e compreender os fundamentos científicos. Eunice Durham, outra expoente do pensamento tucano, em uma entrevista à VEJA também faz fortes críticas às Ciências Humanas, taxando-as como improdutivas:

“Nessas áreas [de Exatas}, começa a surgir uma relação mais estreita entre as universidades e o mercado de trabalho. Algo que, segundo já foi suficientemente mensurado, é necessário ao avanço de qualquer país. A outra realidade da universidade pública a que me refiro é a das ciências humanas. Área que hoje, no Brasil, está prejudicada pela ideologia e pelo excesso de críticas vazias. Nada disso contribui para elevar o nível da pesquisa acadêmica.”

Não se pode negar a grande contribuição das Ciências Exatas para a evolução do mundo moderno. No entanto, o que se esperava - a diminuição das extensas jornadas de trabalho e a liberação do tempo para o lazer, o estudo e a produção do conhecimento - não se concretizou. E às Ciências Humanas cabe a pesquisa e a crítica da ética e das distorções encontradas na sociedade.

Ao priorizar a relação entre a educação e o mercado de trabalho, há uma redução da tarefa da educação ao viés econômico, esquecendo das outras necessidades humanas: psicológicas, de socialização, de afetividade, de lazer...

Aos filhos das classes mais abastadas é assegurado um longo período de estudos que lhes dá mais chances de concorrência no mercado de trabalho. Aos mais pobres, basta o arroz e o feijão; a luta pela sobrevivência e a falta de perspectiva os afasta da escola, tirando-lhes as chances de concorrer aos trabalhos melhor remunerados, jogando-os no trabalho informal e de baixa qualificação.

O avanço da tecnologia, provocando a redução da mão-de-obra e de empregos, tem reduzido as chances até para aqueles com curso superior, aumentando o número para aqueles de pouca qualificação e de baixíssima remuneração, que, às vezes não cobrem nem os custos da locomoção. A título de exemplo vamos lembrar um episódio que teve grande repercussão: quando um menino perguntou ao ex-presidente Figueiredo o que ele faria se ganhasse o salário mínimo, ele respondeu que daria um tiro no ouvido.

Liberados compulsoriamente do mundo do trabalho, jovens e desempregados são presas fáceis do tráfico de drogas, cuja atuação o Estado tem sido ineficiente para impedir.

Comentando a violência no Rio e a ausência do Estado, Pedro Strozemberg, diretor executivo do Instituto de Estudos da Religião – ISER – diz:

“...em contraposição ao discurso imobilizador e repressor da violência, as comunidades de baixa renda apontam para novos mecanismos de organização. Pequenas iniciativas locais muito criativas e bem-sucedidas conseguem manter seu funcionamento e atuação graças ao seu forte apelo comunitário e base local. Há boas razões para supor que existem, de forma camuflada e invisível, incontáveis ações espalhadas pelas comunidades brasileiras que produzem iniciativas como os pré-vestibulares comunitários, movimentos de juventude, associações de vítimas e familiares de vítimas de violência, egressos, exemplos da força espontânea e resistente.

São redes respeitadas e mantidas pelo vigor do trabalho de pessoas comprometidas com aquele território ou com seus moradores.”¹

Vemos assim, que as duríssimas condições de vida levam as comunidades a se organizarem espontaneamente baseadas em relações não apenas racionais, mas carregadas de valores como a amizade, a solidariedade, a confiança, construídas na convivência diária, no olho no olho. Na idéia de que todos tem algo a contribuir. Paulo Freire teorizou essa educação nos seguintes termos:

“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho. Os homens se educam em comunhão mediatizados pelo espaço”

Diz o ditado popular que “aquilo que não tem remédio, remediado está”. Liberados compulsoriamente do trabalho, uma grande massa de jovens vagam pelas ruas. E diz-se que mente desocupada é oficina do diabo. Para proteger seus filhos e vizinhos, as comunidades se viram obrigadas a criarem espaços de lazer e de convivência, de construção de laços de amizade e de valores.

Esse movimento das comunidades tem como elementos aglutinadores o desenvolvimento do lazer, do esporte e atividades culturais, as mais variadas, construindo a auto-estima e a percepção positiva de si próprio.

A falta de recursos econômicos leva ao aproveitamento dos recursos disponíveis na comunidade. Assim, latas, canos de pvc, casca de coco, tampinhas e garrafas se transformam em instrumentos musicais. O aproveitamento da sucata dá origem a um artesanato de qualidade e a geração de renda. Cada vez mais, grupos da periferia percebem que o desempenho esportivo e artístico pode gerar renda e ocupação. E aos poucos, por medo ou por consciência, esses trabalhos começam a ser apoiados por pessoas e instituições, usando essa atuação como marketing social.

Uma sociedade complexa como a de hoje, cada vez mais reduz as ocupações nas áreas agrícolas e industriais e, amplia-se a área de serviços, que dependem do desenvolvimento de habilidades de comunicação entre pessoas. Não há, portanto, uma superioridade entre as diferentes áreas – exatas, humanas e culturais. O que é mais produtivo e que gera melhores condições de vida é a complementaridade entre os diferentes saberes.

¹ Ver Le Monde Diplomatique Brasil. Novembro 2008, p. 23

Rui Alves Grilo
ragrilo@terra.com.br


Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor em Ubatuba (SP).
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