- Chegamos, senhor. Esse é o hotel mais próximo da igreja Notre-Dame-de-la-Chapelle. - Ah, sim. Obrigado. Esta nota paga a corrida? - Dez Francos!... Sim, ainda sobra troco. - Não precisa. Guarde o dinheiro. - É bem mais do que o preço marcado pelo taxímetro, senhor. - Não se preocupe. Resta-me outra, o bastante para pagar a pensão por esta noite – garante o passageiro. O motorista sorri. - Agradecido, senhor. Bom descanso. - Bom trabalho, camarada. Tiau. Albert desce do táxi e entra no hotel. Pára diante do balcão de atendimento e toca a campainha para chamar a atenção do recepcionista que lia um jornal, mergulhado na poltrona. - Boa noite. O moço ergue os olhos. - Sim, senhor. - Meu nome é Albert, venho de Londres. Quero um quarto. - Um quarto!? – admira o recepcionista, aborrecido com a interrupção da leitura por aquela estranha figura de pé na sua frente: um homem magro; a cabeleira branca, emaranhada, descendo pela nuca sobre um colarinho encardido. - Sim. Um quarto, por favor – repete Albert, sorrindo. - Muito bem, são doze francos. Pagos adiantados, por favor. Albert põe a pasta de couro no chão e o capote sobre ela. Remexe os bolsos do sobretudo velho, com a gola de astracã, e retira uma nota de dez francos, além de algumas moedas, e põe o dinheiro sobre o mármore. - É o que sobrou – diz com sorriso quase impercebível. O hospedeiro, depois de contar os valores: - Lamento, o senhor só tem dez francos e cinqüenta e quatro centavos. Não posso fazer nada. - Mas... - Não adianta insistir. Descendo a rua vai achar pensões mais baratas. - Não, está tarde. Amanhã, pago o restante. O homem do hotel cuspinha para o chão. - Impossível. - Calculei mal. - Quanto pensa que tinha? - Não sei o certo. Quando saí de Londres minha mulher me deu várias notas. Disse que era o bastante. Mas encontrei tantos pobres no navio que me vi na obrigação de ajudar alguns. - Pobres, é!... O que veio fazer em Bruxelas? - Visitar amigos. - Por que não fica com um deles? - Amanhã. Não quero importuná-los a esta hora da noite. - São pouco mais de sete horas. - É tarde. Acho que não devo. - Importunar amigos não pode, mas encher meu saco pode. Vamos andando, cara. Descendo a rua você encontra hospedagem mais barata. - Tudo bem. Mas, gostaria de merecer um favor. - Se prometer dar o fora. - Prometo. Antes, quero usar seu telefone. - Se é assim, passe o número que eu disco. - Só tenho o endereço. - Tudo bem. Desembucha logo que já estou com a lista telefônica na mão. - Castelo de Laken. - Castelo de Laken!... Está brincando. - Não, não estou. - É um trote, não é? - Não, não é. Tenho uma grande amiga que mora lá. - Na residência real? O recepcionista torna a olhar Albert de cima a baixo. Depois de uma risadinha divertida, caçoa: - Suponho que toma chá com a rainha Astrid. Albert sorri. - Sim, às vezes. Ela é minha amiga. - Fazendo hora com minha cara, não é? - Não, não estou. Por favor, veja para mim o telefone do Castelo de Laken. O moço, depois de pensar um pouco, desenha nos lábios um sorriso irônico e resolve divertir um pouco mais com o estrangeiro. Encontra na lista o telefone do Castelo, disca e passa o aparelho a Albert, dizendo: - Fique aí batendo papo com a rainha que vou até a porta tomar um ar. Albert pega o fone com cuidado, como se pedindo perdão pelo aborrecimento. O hospedeiro sai e logo volta com um policial. - Tudo bem, tudo resolvido – adianta Albert, ao avistá-lo novamente. - Que foi que a rainha disse? – pergunta o hospedeiro, piscando para o guarda. - Estava no banho. Deixei o recado com a camareira. Passei a ela o número do telefone do hotel. Fiz mal? O moço da recepção balança a cabeça, como se concordasse. O policial caminha até Albert e bate uma das mãos nos seus ombros. - Como se sente? - Agora, melhor. E o senhor? - Não se preocupe comigo. Vou providenciar uma ambulância para levá-lo ao Hospital. - Para mim!?... Não precisa, não estou doente. - Sei como é. Deve ser um surto passageiro – o agente tenta explicar. - Acha que estou ficando tantã? - Senhor, terá um bom tratamento em nosso hospital. - Pare com isso. A rainha vai me ligar daqui a pouco. O policial ironiza, rindo: - Ela telefona para a clínica. E dirigindo-se ao hospedeiro: - Chame a viatura, por favor. Albert perplexo: - Seu guarda, não acha que está cometendo um grande erro? - Por favor, controle-se. Albert perde a paciência e ameaça deixar a recepção do hotel. O policial dá um passo à frente, agarra com fúria o braço do desconhecido e, juntos, saem para a rua, onde acabava de estacionar o veículo da saúde pública. Albert consulta o relógio. - Deus do céu, e se a rainha me telefonar? - Fique tranqüilo, senhor. Ela vai entender – caçoa o policial. - Moço, tenha juízo!... - Pois bem, agora podemos ir. De súbito, a campainha do telefone tilinta dentro do hotel. O hospedeiro, que assistia tudo de pé junto à porta, corre e atende. - Alô!... Sim, Majestade. Quem? Um momento, Majestade... Pode aguardar na linha, por favor, que o policial virá atender. O recepcionista imediatamente pousa o fone sobre a mesa, como se fosse uma jóia muito delicada. Em seguida, pula para o passeio bradando: - Esperem!... Esperem!... Há um engano. O policial, que abria a porta da ambulância, sente o sangue abrasar-lhe o rosto: - O que é agora? Meio sem fôlego e com a fisionomia alterada, o hospedeiro fixa os olhos em Albert e pergunta: - Por favor, seu nome completo? - Albert Einstein. - Então é o próprio! O oficial interfere, nervoso: - O que está acontecendo? - Tem uma senhora no telefone querendo falar com você, anda logo que é a rainha. - Você também está ficando maluco, cara? – irrita o policial. - Não, é verdade – insiste o homem do hotel. – Venha depressa. Olham um para o outro, interrogando-se. O guarda corre ao telefone: - Oficial Van Eck falando... Sim, Majestade... Certo, Majestade... Imediatamente, Majestade. O policial desliga o aparelho; ajeita no pescoço o nó da gravata e se dirige ao cientista. - Doutor Albert, a rainha deseja falar com o senhor. Os olhos do cientista iluminam-se. Com o peito ofegante, caminha apressado para o hall do hotel e, depois de conversar com a rainha, encara o policial com um risinho crítico: - Bem que tentei explicar. Pode dispensar sua viatura, a rainha já mandou um carro me buscar. - É claro, senhor. O hospedeiro também se aproxima de Albert, recompondo-se: - Perdoe-me, senhor. - Bobagens!... Bobagens!... Não se preocupe, foi apenas um incidente de percurso. Tudo fica bem quando termina bem, não é mesmo? – conclui o matemático. E acrescenta: - Eu e a rainha vamos tocar um dueto na noite do próximo sábado. Apareçam lá no Castelo, serão meus convidados. Notas do autor. 1) Albert Einstein, físico alemão, naturalizado norte-americano (Ulm 1879 – Princeton 1955), além de ser o cientista que revolucionou a ciência e conhecimento do Universo, foi um grande violinista. Recebeu o prêmio Nobel de Física, em 1921. Era um homem generoso, sempre ajudando os mais necessitados. 2) Rainha Astrid, rainha dos belgas. Em 1926, aos 21 anos, casou-se com Leopoldo III.
Nota do Editor: Welington Almeida Pinto é escritor. Autor, entre outros livros, de “Santos-Dumont”, “No Coração da Humanidade” e “A Saga do Pau-Brasil”. Blog: Eu, Welington (www.welingtonpinto.blogspot.com).
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