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Crônicas
07/12/2008 - 18h09
Albert em Bruxelas
Welington Almeida Pinto
 

- Chegamos, senhor. Esse é o hotel mais próximo da igreja Notre-Dame-de-la-Chapelle.
- Ah, sim. Obrigado. Esta nota paga a corrida?
- Dez Francos!... Sim, ainda sobra troco.
- Não precisa. Guarde o dinheiro.
- É bem mais do que o preço marcado pelo taxímetro, senhor.
- Não se preocupe. Resta-me outra, o bastante para pagar a pensão por esta noite – garante o passageiro.

O motorista sorri.
- Agradecido, senhor. Bom descanso.
- Bom trabalho, camarada. Tiau.

Albert desce do táxi e entra no hotel. Pára diante do balcão de atendimento e toca a campainha para chamar a atenção do recepcionista que lia um jornal, mergulhado na poltrona.
- Boa noite.

O moço ergue os olhos.
- Sim, senhor.
- Meu nome é Albert, venho de Londres. Quero um quarto.
- Um quarto!? – admira o recepcionista, aborrecido com a interrupção da leitura por aquela estranha figura de pé na sua frente: um homem magro; a cabeleira branca, emaranhada, descendo pela nuca sobre um colarinho encardido.
- Sim. Um quarto, por favor – repete Albert, sorrindo.
- Muito bem, são doze francos. Pagos adiantados, por favor.

Albert põe a pasta de couro no chão e o capote sobre ela. Remexe os bolsos do sobretudo velho, com a gola de astracã, e retira uma nota de dez francos, além de algumas moedas, e põe o dinheiro sobre o mármore.
- É o que sobrou – diz com sorriso quase impercebível.

O hospedeiro, depois de contar os valores:
- Lamento, o senhor só tem dez francos e cinqüenta e quatro centavos. Não posso fazer nada.
- Mas...
- Não adianta insistir. Descendo a rua vai achar pensões mais baratas.
- Não, está tarde. Amanhã, pago o restante.

O homem do hotel cuspinha para o chão.
- Impossível.
- Calculei mal.
- Quanto pensa que tinha?
- Não sei o certo. Quando saí de Londres minha mulher me deu várias notas. Disse que era o bastante. Mas encontrei tantos pobres no navio que me vi na obrigação de ajudar alguns.
- Pobres, é!... O que veio fazer em Bruxelas?
- Visitar amigos.
- Por que não fica com um deles?
- Amanhã. Não quero importuná-los a esta hora da noite.
- São pouco mais de sete horas.
- É tarde. Acho que não devo.
- Importunar amigos não pode, mas encher meu saco pode. Vamos andando, cara. Descendo a rua você encontra hospedagem mais barata.
- Tudo bem. Mas, gostaria de merecer um favor.
- Se prometer dar o fora.
- Prometo. Antes, quero usar seu telefone.
- Se é assim, passe o número que eu disco.
- Só tenho o endereço.
- Tudo bem. Desembucha logo que já estou com a lista telefônica na mão.
- Castelo de Laken.
- Castelo de Laken!... Está brincando.
- Não, não estou.
- É um trote, não é?
- Não, não é. Tenho uma grande amiga que mora lá.
- Na residência real?

O recepcionista torna a olhar Albert de cima a baixo. Depois de uma risadinha divertida, caçoa:
- Suponho que toma chá com a rainha Astrid.

Albert sorri.
- Sim, às vezes. Ela é minha amiga.
- Fazendo hora com minha cara, não é?
- Não, não estou. Por favor, veja para mim o telefone do Castelo de Laken.

O moço, depois de pensar um pouco, desenha nos lábios um sorriso irônico e resolve divertir um pouco mais com o estrangeiro. Encontra na lista o telefone do Castelo, disca e passa o aparelho a Albert, dizendo:
- Fique aí batendo papo com a rainha que vou até a porta tomar um ar.

Albert pega o fone com cuidado, como se pedindo perdão pelo aborrecimento. O hospedeiro sai e logo volta com um policial.
- Tudo bem, tudo resolvido – adianta Albert, ao avistá-lo novamente.
- Que foi que a rainha disse? – pergunta o hospedeiro, piscando para o guarda.
- Estava no banho. Deixei o recado com a camareira. Passei a ela o número do telefone do hotel. Fiz mal?

O moço da recepção balança a cabeça, como se concordasse. O policial caminha até Albert e bate uma das mãos nos seus ombros.
- Como se sente?
- Agora, melhor. E o senhor?
- Não se preocupe comigo. Vou providenciar uma ambulância para levá-lo ao Hospital.
- Para mim!?... Não precisa, não estou doente.
- Sei como é. Deve ser um surto passageiro – o agente tenta explicar.
- Acha que estou ficando tantã?
- Senhor, terá um bom tratamento em nosso hospital.
- Pare com isso. A rainha vai me ligar daqui a pouco.

O policial ironiza, rindo:
- Ela telefona para a clínica.

E dirigindo-se ao hospedeiro:
- Chame a viatura, por favor.

Albert perplexo:
- Seu guarda, não acha que está cometendo um grande erro?
- Por favor, controle-se.

Albert perde a paciência e ameaça deixar a recepção do hotel. O policial dá um passo à frente, agarra com fúria o braço do desconhecido e, juntos, saem para a rua, onde acabava de estacionar o veículo da saúde pública. Albert consulta o relógio.
- Deus do céu, e se a rainha me telefonar?
- Fique tranqüilo, senhor. Ela vai entender – caçoa o policial.
- Moço, tenha juízo!...
- Pois bem, agora podemos ir.

De súbito, a campainha do telefone tilinta dentro do hotel. O hospedeiro, que assistia tudo de pé junto à porta, corre e atende.
- Alô!... Sim, Majestade. Quem? Um momento, Majestade... Pode aguardar na linha, por favor, que o policial virá atender.

O recepcionista imediatamente pousa o fone sobre a mesa, como se fosse uma jóia muito delicada. Em seguida, pula para o passeio bradando:
- Esperem!... Esperem!... Há um engano.

O policial, que abria a porta da ambulância, sente o sangue abrasar-lhe o rosto:
- O que é agora?

Meio sem fôlego e com a fisionomia alterada, o hospedeiro fixa os olhos em Albert e pergunta:
- Por favor, seu nome completo?
- Albert Einstein.
- Então é o próprio!

O oficial interfere, nervoso:
- O que está acontecendo?
- Tem uma senhora no telefone querendo falar com você, anda logo que é a rainha.
- Você também está ficando maluco, cara? – irrita o policial.
- Não, é verdade – insiste o homem do hotel. – Venha depressa.

Olham um para o outro, interrogando-se. O guarda corre ao telefone:
- Oficial Van Eck falando... Sim, Majestade... Certo, Majestade... Imediatamente, Majestade.

O policial desliga o aparelho; ajeita no pescoço o nó da gravata e se dirige ao cientista.
- Doutor Albert, a rainha deseja falar com o senhor.

Os olhos do cientista iluminam-se. Com o peito ofegante, caminha apressado para o hall do hotel e, depois de conversar com a rainha, encara o policial com um risinho crítico:
- Bem que tentei explicar. Pode dispensar sua viatura, a rainha já mandou um carro me buscar.
- É claro, senhor.

O hospedeiro também se aproxima de Albert, recompondo-se:
- Perdoe-me, senhor.
- Bobagens!... Bobagens!... Não se preocupe, foi apenas um incidente de percurso. Tudo fica bem quando termina bem, não é mesmo? – conclui o matemático.

E acrescenta:
- Eu e a rainha vamos tocar um dueto na noite do próximo sábado. Apareçam lá no Castelo, serão meus convidados.


Notas do autor. 1) Albert Einstein, físico alemão, naturalizado norte-americano (Ulm 1879 – Princeton 1955), além de ser o cientista que revolucionou a ciência e conhecimento do Universo, foi um grande violinista. Recebeu o prêmio Nobel de Física, em 1921. Era um homem generoso, sempre ajudando os mais necessitados. 2) Rainha Astrid, rainha dos belgas. Em 1926, aos 21 anos, casou-se com Leopoldo III.


Nota do Editor: Welington Almeida Pinto é escritor. Autor, entre outros livros, de “Santos-Dumont”, “No Coração da Humanidade” e “A Saga do Pau-Brasil”. Blog: Eu, Welington (www.welingtonpinto.blogspot.com).

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