“Justiça social é um assunto de vida e morte”. Com estas palavras inicia-se um extenso relatório divulgado em agosto de 2008, por um grupo de especialistas com larga experiência em desenvolvimento e saúde, convocado pela OMS - Organização Mundial da Saúde, para analisar a fundo a questão da desigualdade e sua relação com a saúde. Após inúmeras sessões de um painel de especialistas, realizadas ao longo de dois anos, este proclamou em alto e bom tom a necessidade de superar o atual fosso, no período de uma geração. Mas, qual é exatamente a natureza desse fosso? As diferenças extremas de mortalidade infantil e de expectativa de vida entre moradores de favelas na África ou na América Latina, quando comparadas com os indicadores correspondentes nos bairros de classes média e alta nas cidades do primeiro mundo? A resposta, segundo o painel sobre os determinantes sociais de saúde da OMS, não seria encontrada nas diferenças de renda. Nem pode ser reduzida à capacidade e competência dos diferentes sistemas de saúde. Além desses fatores, segundo o relatório, atuam forças sociais, políticas e econômicas que, aparentemente, teriam pouca relevância para a saúde, mas podem determinar “se uma criança irá crescer e desenvolver seu pleno potencial durante sua vida ou se morrerá cedo”. Para reduzir os riscos desta fatalidade, os especialistas elaboraram uma longa lista de recomendações e de objetivos almejados. Desafiam os governos a melhorar a qualidade de vida, particularmente das mulheres e das moças nos países pobres, mediante investimentos em cuidados de crianças, na educação e nas condições de trabalho. Insistem na necessidade de corrigir a distribuição desigual de poder, dinheiro e de outros recursos, mediante um melhor sistema de governabilidade, apoio à sociedade civil e políticas econômicas mais eqüitativas. Outro elemento importante em suas propostas para tornar o mundo um lugar mais justo e saudável para os pobres é a transparência nas decisões e o monitoramento dos progressos na eliminação das desigualdades na área de saúde. Embora ambicioso e rico em dados estatísticos e informações, o relatório não passa de uma manifestação louvável de expectativas. Segundo críticos do relatório, ele enfatiza demais os determinantes sociais, enquanto subestima a relação entre renda e saúde. Protestar contra a atual distribuição de poder e de dinheiro não deve ajudar muito àqueles que enfrentam decisões práticas sobre como alocar recursos escassos na área de saúde. Outros críticos apontam a ausência de uma listagem de objetivos, embora reconheçam como fator positivo a relação entre o desempenho econômico de indivíduos e de nações. Parece um debate estéril: saúde precária seria a causa da pobreza ou vice-versa? E a renda e sua distribuição desigual - quais seriam seus impactos? Os autores admitem que o crescimento econômico teria um impacto importante, embora possa levar, como de fato ocorre, à maior desigualdade, sobretudo se não houver políticas específicas para melhorar o nível da saúde pública. Outros críticos enfatizam os determinantes sociais não monetários, tais como a insegurança no emprego que podem causar angústia e depressão relacionadas com a saúde mental. A vacinação das crianças, a educação sexual das meninas e informações nutricionais às mães, todas podem melhorar o nível de saúde pública. A análise da estrutura dos serviços de saúde aponta para a cobertura universal, do tipo SUS, que produziria melhores resultados do que outros modelos, evidenciando as vantagens e os melhores indicadores de saúde da Costa Rica e de Cuba, quando comparados aos de outros países, mesmo materialmente mais ricos. A importância e a relativa posição na escala de poder do ministério de saúde dentro dos respectivos governos podem constituir-se em outro fator determinante. No fundo, os problemas de saúde pública têm raízes sistêmicas interdependentes, ao contrário da abordagem causal linear e cartesiana. Na análise sistêmica, cada elemento influi no conjunto e, por sua vez, é impactado pelos outros fatores e pela dinâmica retroalimentadora do conjunto. Donde se infere que qualquer reducionismo, em se tratando de problemas sociais complexos, se revela estéril e improdutivo. Para mudar esse cenário, melhorando os indicadores da eficácia das políticas públicas de saúde, é indispensável a informação e conscientização da sociedade civil organizada e motivada para sua plena participação nas decisões que afetam sua saúde e seu bem estar. Nota do Editor: Henrique Rattner é professor da FEA-USP e consultor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Foi fundador da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças (ABDL) e diretor do programa LEAD no Brasil.
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