Do alto da laje de sua casa viu um ponto negro no céu, que lhe trouxe alguma esperança. Um helicóptero afinal o localizara, justamente quando a comida e a água potável chegavam ao fim. Começou a pular, gesticular, mal sabendo que a água que passava de metro-e-meio e a lama que tomava conta de tudo, não iriam permitir que ele pousasse. Foi o que aconteceu. O pássaro de prata limitou-se a sobrevoar o local, com os passageiros acenando para o desesperado indivíduo, para logo após tomar rumo ignorado. Meio triste, recolheu-se a um canto, porém não desanimado, pois se mal não vira, o helicóptero trazia escrito em seu corpo em letras grandes “PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA” e o homem que acenava, por mais estranho que fosse, parecia ser o próprio. À simples lembrança de que poderia ser o presidente da República, que em carne e osso viera ver os estragos da enchente e dos desmoronamentos, fê-lo refletir no absurdo da situação. “Nosso país é injusto com seu povo. Imita os americanos em tudo, principalmente naquilo que eles tem de ruim. Aqui a eleição de um presidente é uma ação entre amigos, que reúnem-se e escolhem quem será o peão da vez, que vai chegar na oitava casa e tornar-se rei. Não adianta os ilustres Cristóvão Buarque e Pedro Simon, senadores da República, quererem emplacar consultas prévias nos diversos Estados da União, pois a viciada roda da escolha não permitirá que se altere o atual estado de coisas. Não se admite o debate entre propostas e idéias, pois isto forçaria o eleito a cumprir um programa mínimo que fosse e os políticos brasileiros tem horror a planejamento e a cumprir o que prometem.” E continuou ensimesmado: “Será Brasília um deserto de homens, idéias e convicções? Não acredito. Está muito mais para uma Babel de conveniências, que em todas as línguas faladas tem duas palavras em comum: meu e interesse. Tudo é permitido, desde que se não mexa comigo e com os meus interesses.” Quando Ulisses conseguiu aprovar a Constituição que este ano fez vinte anos, sabia-se que cinco anos depois ela teria que ser revista, para nela incluir obrigações, que iriam afetar decisivamente o Poder Executivo, que tudo podia. Tudo se fez para evitar. Conseguiu-se e assim permanece até hoje. O Executivo tudo pode, até criar trinta e sete ministérios, centenas de Secretarias, milhares de cargos, cuja finalidade é trabalhar em seus próprios interesses, tornando-se fins em si mesmos. Se assim não é, para que serve o Ministério das Cidades e do Meio-Ambiente? O primeiro deveria servir pelo menos para ordenar a ocupação do solo urbano e o mapeamento das zonas críticas das cidades para evitar não só catástrofes tipo Santa Catarina, como a favelização, a destruição dos mananciais e outros graves problemas típicos dos aglomerados urbanos. E o outro Ministério que deveria evitar a depredação dos recursos naturais não o faz, atendendo a interesses políticos autoriza o fatiamento do Morro do Baú, para a passagem de gasodutos em áreas de preservação ambiental, que explodiram, causando uma das maiores catástrofes da história recente. Quem irá ser responsabilizado por tudo isto? O titular do Ministério das Cidades, do Meio-ambiente ou quem mais? A resposta mais próxima do resultado será ninguém, pois se sicrano for exonerado o Partido Fisiológico Nacional irá berrar; se beltrano então, nem se diga, pois todo o esforço e sacrifício do mensalão terá sido em vão. Vai sobrar para turma de cima da laje como sempre, que impossibilitada de conhecer melhor seu candidato, vota mal e via disto vai ter que pagar mais esta conta sem poder tugir e nem mugir. Nota do Editor: Luiz Bosco Sardinha Machado é o responsável pelo blog “A brasa do Sardinha”.
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