Como instituição cuja atividade-fim é a proteção e preservação da vida na sociedade, a polícia sofre questionamento ininterrupto. Em conseqüência, é cobrada tanto por fazer quanto por não fazer. Sua ação é sempre de alto risco e, por envolver a vida e a liberdade individual, sempre gera polêmica. No fundo da discussão, vêm as críticas. Nos últimos dias o assunto é a morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, cujo julgamento dos policiais não resultou na punição esperada por muitos. Tem-se denunciado freqüentemente a ação dos policiais em confronto além dos limites estabelecidos pelos manuais de instrução das corporações, e o debate segue acalorado. Mesmo cometendo pré-julgamentos e injustiças momentâneas, a discussão é positiva. Através dela a comunidade pode dissecar seus problemas, seus riscos e forçar os governos pelas almejadas soluções. A segurança pública é um dos pontos nevrálgicos da sociedade. Seus agentes são mantidos pelo Estado com a finalidade de garantir a ordem e o cumprimento das leis. Para cumprir esse mister, as polícias são armadas e têm regulamentos que não a permitem agir ofensivamente, a não ser nos casos estritamente definidos por lei. Seus tiros têm de ser defensivos ou atender ao objetivo de evitar um mal maior. Definir esse crucial ponto de equilíbrio é o mais delicado, pois existem questões subjetivas. Numa fração de segundo, o policial em perseguição ou confronto é obrigado a decidir sobre a própria vida ou a de terceiros, com conseqüências muitas vezes imprevisíveis. Parece haver consenso na informação de que a sociedade evoluiu muito, com ela potencializaram-se os problemas, e as polícias não tiveram os investimentos suficientes para fazer frente, por exemplo, ao crime organizado, que domina, escraviza, persegue e mata. Via-de-regra, os policiais trabalham com salários aquém do ideal (o que os obriga a fazer estressante "bico" nas horas vagas), andam em viaturas sucateadas, com combustível escasso, e têm armamento infinitamente inferior ao empregado pelos bandidos. Essa inferioridade de recursos acaba os levando, na hora do confronto, a buscar a superação pessoal e, muitas vezes, deságua no excesso, na morte de inocentes e outros problemas. Aí a sociedade se revolta e despeja sua crítica. Não podemos ignorar que a polícia é uma das forças da própria sociedade e a forma que atua é resultado do meio. Aqueles que criticam o policial por ter atirado indevidamente, poderiam se colocar só um pouquinho no seu lugar e raciocinar sobre como agiriam naquela situação. Falar à distância é fácil, difícil é decidir num piscar de olhos e sob o risco de, se não atirar, ser atirado e até morrer. Se está ruim com a polícia que temos, seria muito pior sem ela. As lideranças da sociedade, as autoridades e os centros do saber deste país precisam encontrar soluções para a crise da Segurança Pública. Não basta, para eximir-se de responsabilidades, só culpar essa ou aquela polícia ou o policial que agiu indevidamente. Tudo isso tem de ser encarado com seriedade e no contexto de decorrência de um problema maior, que transcende a área policial. Boa parte dos problemas hoje classificados como "policiais", certamente se resolveriam com a solução da impunidade, da fome, da educação, da saúde pública e da oportunidade de trabalho para todos. Depois de solucioná-los, talvez nem precisasse mais mudar as polícias... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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