Olhos de vidro e só eles, podem ver emoções e excitações mentais. Sirva o coração numa bandeja de cristal líquido, de transparência total, límpida, lúcida, e qualquer pequena nódoa pode pôr tudo a perder. Você se expõe como um traço a lápis num dia, dois traços a lápis no outro dia, mil traços no ano, cinco mil e então terá se transformado numa imagem possível. Quando só considera a paixão, sua força se multiplica muitas vezes e produz milhares de peixes ainda que ninguém possa vê-los ou enrodilhá-los em redes porque eles estarão mais dentro de você do que fora, e a oferta da multiplicação tem apenas o objetivo de solidificar a percepção congelada em seus tímpanos. Se um sussurro vier à tona, tudo estará perdido, porque a frieza se deixou transmutar em suor e então a transparência será violada por todos os instrumentos óticos do mundo. Negro é o coração que se deixa violar, roxa é a emoção que se deixa invadir, verde é o sentimento que se deixa espatifar entre os vidros dos olhos alheios e, assim, espatifado, nunca amadurecerá. Emoções devem ser mantidas no cerne escuro, no recôndito de nossos espaços intramoleculares, virgens, clandestinas como passageiros apátridas de navios mercantes sem norte. Pressentimentos e pós-sentimentos devem ser guardados a sete chaves, sem violação, engolidos como vinho de borbulhante, burburinho, ironizando e provocando a rotina. Nas profundezas escuras do mar azul marinho os peixes ficam cegos porque, mesmo que enxergassem, nada veriam. Seus olhos, inúteis, então se perdem na evolução da espécie. Assim deve ser o sentimento escondido no mais abissal orifício de um coração embaçado. Cego, embosqueirado, furtivo, incógnito e sigiloso, como a luz que ali já não há. Severa será a punição de quem deixa poluir suas comoções com os vergalhões do vento, os raios de sol ou com as acanhotadas passagens submersas do adeus. Seu recôndito voará como pássaro sem asas do mais alto patamar até o chão, sem nenhuma oportunidade de resgate. Nota do Editor: Laís de Castro é jornalista desde os 21 anos, quando estreou na tradicional revista Realidade, trabalhou 18 anos na editora Abril, vários anos na Carta Editorial e outros mais na Azul. Hoje é diretora de redação da revista Dieta Já, da Editora Símbolo. Ganhou 3 prêmios Abril, um concurso de contos infantis no Estado do Paraná e agora lançou seu primeiro livros de histórias para adultos: “Um Velho Almirante e outros contos”, pelo selo ARX (Siciliano).
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