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Crônicas
20/12/2008 - 16h14
No profundo mar azul
Galeno Amorim - Agência Brasil Que Lê
 

Desde pequena, Ângela sonhava ser professora. Gostava de aprender coisas novas para, um dia, poder ensinar a outras pessoas. Não queria para si uma vida igual a das moças da ilha, que mal saíam da puberdade logo se tornavam esposas e mães, reproduzindo ciclo idêntico ao de suas mães e avós. Algumas envelheciam cedo demais, sem sequer terem pisado no continente. Esta, enfim, parecia ser também a sua sina.

Desejava, claro, constituir família. Mas só quando fosse a hora. Não gostava era da idéia de ter que fazer algo por não ter outro jeito. Ângela sabia que ali as chances eram poucas, mas ainda assim estava decidida a ir atrás dos seus sonhos. A praia da Longa – um dos muitos vilarejos que formam a Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro – não tinha sequer luz elétrica, que só viria a conhecer anos depois.

Os obstáculos para ascender ao mundo do conhecimento eram de toda ordem. Biblioteca, livraria ou banca de jornal, por exemplo, nem pensar. Pra piorar, consumiam boa parte do seu dia nas viagens de barco até Araçatiba, a única com escola para adolescentes.

Do cais de Santa Luzia, na Baía de Angra dos Reis, até Proveta, a última delas, em pleno mar aberto, o barco Três Irmãos Unidos II gastava seis horas entre ida e volta. Um dia, incomodados com tamanho desperdício de tempo, alguns professores tiveram a idéia: pegaram uns livros na escola e improvisaram no convés uma pequena biblioteca.

A idéia pegou. Logo a estante de madeira – pra agüentar a maresia – ficou pequena. Por anos a fio, era lá que Ângela mergulhava fundo nos romances, aventuras e poesias, aliás, suas prediletas. A bordo do sofá de leitura, ela ouviu pela primeira vez os versos de Castro Alves. “Oh, bendito o que semeia livros... / Livros à mão-cheia... / E manda o povo pensar! / O livro caindo na palma / É gérmen – que faz a alma, / É chuva – que faz o mar.” Em homenagem ao poeta baiano, a biblioteca seria batizada com o título de um de seus livros: Espumas Flutuantes.

Não demorou e o barco-biblioteca virou a sensação do lugar. Era lá que começavam ou terminavam paqueras e namoros e se iniciavam longas amizades. Onde tiravam dúvidas escolares. E emprestavam livros para, mais tarde, ler em casa e, assim, fazer outras viagens incríveis.

Aquilo mudou para sempre a vida de muitos daqueles jovens caiçaras. Ângela de Oliveira, agora com 23 anos, por exemplo, virou professora, como sonhara. Hoje, ela leciona para crianças na mesma escola onde estudou e tenta estimular nelas o mesmo gosto de ler que lhe abriu novos horizontes e trouxe uma perspectiva de futuro.

Felizmente, essa história não termina aí. Ano passado, Ana Carla, que também gasta seis horas por dia para ir à mesma Araçatiba, leu mais de 20 livros. E o que ela quer ser na vida? Ainda não sabe. Uma coisa é certa: nunca vai deixar de ler. Ela diz que quer ser uma cidadã e o que mais vier a escolher pra si.

Nem sempre é fácil, como se sabe. Mas, pelo balançar da velha traineira, a menina de 15 anos está no meio do caminho para chegar lá.


Nota do Editor: Galeno Amorim (www.blogdogaleno.com.br) é jornalista e escritor.

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