Herculano era meio supersticioso. Entre as suas superstições estavam vestir sempre roupas novas, da camisa até as meias, incluindo a cueca. Só fazia concessão ao tênis, pois não costumava comprar ou ganhar tênis novos no Natal. Mas quando tinha oportunidade, fazia questão. A tradicional camisa branca raramente era usada por Herculano no réveillon. Ele preferia usar amarelo, que traz dinheiro ou vermelho, paixão. De vez em quando, usava um azul saúde ou um verde esperança. Mas também era raro. Preto e cinza, só na bermuda e nas meias. Na cueca também. Quando não cumpria a superstição não percebia e tampouco passava o ano se queixando por causa disso. Odiava lentilhas. Jogar moeda para o longe deixou de fazer há muito tempo. Achava muito desperdício de dinheiro. Fazer a contagem regressiva apenas se apoiando no pé direito fazia sempre. Mas parou. Achava bobagem ficar pulando. Passou a defender que ano novo teria que chegar com os dois pés no chão. Uma superstição que aprendeu com a mãe, e que sempre a lembrava fazer isso, era acender a luz de todos os cômodos da casa. Mas nos últimos anos deixou de fazer. Quando passou a morar a duas ruas da praia, pensava em chegar até a areia e pular as sete ondas. Mas as milhares de pessoas não deixavam. A praia ficava lotada. Quando criança, acostumou-se a passar o réveillon com muitos parentes. À medida que foi crescendo, os parentes foram se afastando. Até que chegou o ano em que passou apenas com a mãe. A irmã foi passar com o namorado e o pai, com a amante. Mas nos anos seguintes, o pai voltou a passar com Herculano e sua mãe. Neste ano, Herculano passou a virada, sozinho, num pequeno barraco sujo e escuro. Roupas imundas e passando fome. Nem quis tentar descobrir qual a superstição que não cumpriu para ter um ano tão infeliz. Nota do Editor: Gustavo do Carmo é jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” (tudocultural.blogspot.com), é bastante freqüentado por leitores.
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