Às vezes a inquietude toma conta da gente. E não sabemos o porquê. Estamos bem instalados. Paredes sólidas. Jardim para arejar os pensamentos. Comida farta e saborosa. Roupas para o frio ou calor. Sapatos para festa e chinelos para horas de folga. Assim foi à época da mudança para o campo. O casal, os dois filhos menores e o avô materno, agora viúvo. E o cachorro é claro! Tudo foi se acomodando... Numa camionete levavam as crianças à escola, que ficava no pequeno centro comercial do vilarejo. Os pequenos adoravam quando o avô dirigia. Por todo o trajeto ouviam seus comentários sobre a bela natureza que ladeava a estrada. Nada lhe escapava - o azul do céu, o movimento das nuvens, a revoada de pássaros, uma cutia apressada cruzando o caminho... Nem um mês se passara e o avô cada vez mais taciturno. Poucas palavras à mesa. A maior parte do tempo na varanda, olhar perdido na imensidão do campo. Ninguém conseguia interessá-lo em nada. Não atendia aos chamados do genro para assistir ao jornal da tevê, nem aos pedidos da filha para cuidar da horta, pois adorava plantar. Diante da insistência dos netos para levá-los à escola, arrumava uma desculpa qualquer. A família desanimava... O que fazer?! Numa segunda-feira, ainda no breu da madrugada, batidas à porta do quarto. Era o velho pai. De malas e cuias. Diante do espanto do casal, sua voz trêmula - Perdoem-me! Mas não posso viver num lugar, onde não se vê a linha do horizonte... Numa fração de segundo, na memória da filha, a casa da infância e o oceano - azul e ondas arrebentando nas praias! E lá se foi o velho marujo. De volta à cidade natal e ao mar. Mar por onde conduzia as lanchas transportando mercadorias e garantindo o sustento da família. De novo os olhos no horizonte. Fio entre o céu e o mar. Águas de tantas travessias! Nota do Editor: Texto produzido na Oficina de Crônicas de Madô Martins, realizada em 2008, na Biblioteca Mario Faria / Posto 6, Santos (SP).
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