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Crônicas
14/01/2009 - 16h26
Choro por Gaza, por Israel e por nós...
Risomar Fasanaro
 

É difícil pra mim falar da guerra entre Gaza e Israel. Tudo que sei, e é sempre muito pouco, me veio através dos jornais e da tevê. Nunca vivi nenhuma dessas guerras declaradas pelos governantes. As que chamo de guerras oficiais. Tenho sim, vivido a guerra... Como dizer? Marginal? Será que posso chamá-la assim?

Refiro-me àquela guerra cujos combates explodem aqui e ali, subversivamente. Essa guerra conheço bem. Ela tem início e meio (ainda não vi o final) sem que os poderosos realizem reuniões nem tratados. Ninguém declara abertamente que ela existe, pelo contrário, os poderosos até tentam escondê-la, mas não conseguem. Mesmo aos olhos dos mais desligados, daqueles que vivem no mundo da lua, ela não passa despercebida. Está ali, diante dos nossos olhos. Nos semáforos onde as crianças ou fazem malabarismos para ganhar alguns trocados, ou nos oferecem doces, chicletes, chocolates...

Nunca ouvi o estrondo de bombas das guerras, mas não é só aquele que geme de dor, que soluça alto que me comove e me faz sofrer. O silêncio e os olhos sem brilho, a ausência de um sorriso daqueles que (des)vivem nas ruas me dirigem quando me pedem esmolas, me atingem tanto quanto se gemessem, tanto quanto se gritassem. Porque muitas vezes na vida não são as palavras que nos ferem, nos machucam, mas o silêncio.

Quando falamos, gritamos, esbravejamos, pomos para fora nossa revolta, nossa ira, mas não sei se é assim que as pessoas que vivem em situação de guerra declarada por governantes agem. E mesmo que o façam, haverá sempre a impotência diante do poder de decisão daqueles que declaram as guerras. Daqueles que jamais irão aos campos de batalhas, nem eles, nem seus filhos.

São as guerras cotidianas que conheço. Aquelas que enfrentamos todos os dias, e na qual a maioria das vítimas silencia, até mesmo porque não se dá conta de que foi convocado para uma guerra, e que tem o dever de combater.

Refiro-me à guerra que vi no sertão pernambucano enfrentada por Severina, que levantava pela manhã, via os seis filhos com fome mas não tinha nenhum alimento para lhes oferecer. As latas de mantimentos estavam vazias, havia apenas uns vestígios de farinha de mandioca. É a guerra que vi recentemente em Santa Catarina, com centenas de pessoas vitimadas por enchentes que perderam pais, filhos, amigos, casa... Há diferença do que estamos vendo em Gaza?

A guerra que conheço é a que vi quando traficantes impediram a abertura de bares, lojas, escolas. É a que vi de centenas de pessoas sem-terra, sem-teto em combates nos campos e no asfalto.

E ainda hoje, mesmo com projetos que pretendem mudanças, a fome continua, a lentidão da justiça continua, ainda vemos pessoas presas anos e anos. Não roubaram uma bolsa Voiton ou um vestido de Versace na Daslu. Roubaram uma lata de sardinha, assaltaram supermercados movidos pela fome. Incendiaram ônibus tomados pela revolta diante de tantas diferenças sociais, em que os crimes do colarinho branco que desviam verbas destinadas à Educação, à Saúde. Em que latifundiários que devastam as matas, envenenam os rios, assassinam os que defendem a natureza, os índios, poluem o ar mesmo tendo seus crimes apurados, os processos vão para os arquivos. Mortos?

Sim, choro por Gaza. Choro por Gaza, por Israel, e pelos que aqui, ao nosso lado, são vítimas de tiros perdidos. Choro pelos que no meio da noite acordam sobressaltados nas favelas com as invasões da polícia. Choro pelos inocentes que não chegam a acordar, são metralhados antes do amanhecer, porque primeiro se pune, para depois se julgar. É a lei dos esquadrões de “limpeza” étnica; mas principalmente de classes sociais.

Sim, eu choro por Gaza e por Israel, por esta guerra insana, mas quantas vezes engulo o choro quando em frente às estações ferroviárias ou nas rodoviárias, jovens cobertos de farrapos tentam se aproximar de mim para me pedir dinheiro, e a polícia quase me derruba para afastá-los, como se eles fossem os intocáveis da Índia. E justificam seu desempenho “impecável”, alegando que eles querem dinheiro para comprar drogas, ou que irão roubar minha bolsa e sair correndo.

E os vemos seguir em silêncio porque a dor diante da sua impotência, já ultrapassou os limites do suportável. Já superou o poder das palavras.

E o mais doloroso em tudo isso é que, também nós, que tanto lutamos para que isso não acontecesse, estamos vendo esses combates todos os dias, e nem nossos gritos de revolta, nem o silêncio desses “combatentes” estão se fazendo ouvir.

Não, não choro só pelo povo de Gaza e de Israel, que não tem culpa do que decide seus governantes, choro por nós. Por todos nós.


Nota do Editor: Risomar Fasanaro é jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

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