Seu Olavo, homem conformado com as dores vida, só não se acostumara às dores das doenças do mundo. A diabete e seu regime seria para ele uma coisa normal, não fosse a falta de regularidade das dores, que vinham inesperadamente como “agulhadas”, sem avisar a que horas e em qual parte do corpo. Seu relógio já se acostumara a despertar à noite, três ou quatro vezes, para urinar, bufar ou para que as batatas da perna fossem besuntadas por um gel, que lhe aliviava as dores e queimações, embora fossem como dois pedaços de pau pendurados no final dos membros inferiores. A praça, muito larga e sombreada por árvores que faziam sombra sobre os bancos, também o preferencial de Seu Olavo, era a testemunha muda das aflições daquele homem solitário, que ali despejava seus gritos gemidos. As reações verbais eram abafadas pelo intenso barulho dos veículos, e dos carros de propaganda sonora, que transitavam pela larga avenida lateral, onde o risco de atropelamento era grande. Pessoas que portassem problemas de labirintite, como era o caso daquele senhor, só deveriam ir muito além do jardim se houvesse um acompanhante, embora uma ou outra hora algum se colocasse em risco. O hábito de visitar a praça pelas manhãs servia para deixar menos tensa a faxineira da casa, que ouvindo ais e uis, não consegue se concentrar nos afazeres. Olavo voltava na hora do almoço, quando sua dieta já o esperava: muito legume, zero de gordura, sem uma goiabada de sobremesa. Para seu martírio, seu caminho de volta passava pela porta de movimentada churrascaria, de onde exalava um gostoso cheirinho de espeto “dois pelos” abrindo o apetite dos transeuntes. Ele suportava tudo com resignação e ainda liberava seu bom-humor. Ao ser perguntado por alguém sobre a sua saúde, era franco em dizer que não sabia, pois fazia anos que saíra a passeio e ainda não retornara. Era naquele dia de aniversário do casamento igualmente o de sua idade. E, respeitador das dietas, mandou confeitar um bolo, de pequeno tamanho, de granulados, como outrora gostava. O doce seria cortado pelos filhos e netos, que não poderiam deixar um mínimo pedaço para servir de tentação ao diabético. Ele presenciaria a felicidade e o lamber dos lábios dos netinhos, mas não daria uma lambida no glacê. Um visitante então perguntou por sua cara metade. Olavo, olhando a velha poltrona vazia, respondeu: “Há anos que saiu em férias, junto com a minha saúde. Devem ter ido muito longe, pois até hoje não voltaram. Mas continuo esperando”. E apagou as velhinhas de comemoração dos noventa anos. Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.
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