O ser humano normalmente nasce com as funções necessárias para viver: cinco sentidos, metabolismo, ações involuntárias, enfim, tudo o que o corpo humano precisa para “funcionar”, como qualquer ente do mundo animal. Numa analogia com os computadores, está tudo previamente programado na “memória ROM” genética. Os instintos e outras “bagagens” colhidas ao longo de algumas centenas de milhares de anos da evolução humana também estão lá, provendo-nos de condições básicas para a sobrevivência. O que nos diferencia de outros animais é a capacidade intelectual. Nesse sentido, estamos em vantagem em relação aos nossos antepassados, pois somos, hoje, o produto de milhares de anos de relações e mutações sociais, desenvolvimento científico e tecnológico. Em suma, somos fruto de um interminável processo de aprendizagem e evolução, com inúmeros exemplos que educam, ou, pelo menos, deveriam educar. Aprendemos a: construir, transformar e destruir. E alguém já disse que é muito mais fácil destruir, e muitos optam por essa “facilidade”. A capacidade de aprender existe e é influenciada, sobretudo na infância, pela forma como somos ensinados ou educados. Os fatores culturais, entre outros, são intrínsecos. Mas não é o mesmo com as feras? Uma chicotada ou um torrão de açúcar também educam, não é mesmo? Não! Em verdade condicionam, pois o animal assim “educado” não raciocinará mais do que para optar entre a dor ilimitada e o prazer autorizado. Uma chicotada para o erro ou um torrão de açúcar para o acerto. E se alguém “educar” que o errado é certo e vice-versa? Esse condicionamento serve para controlar alguns instintos selvagens, para domesticar, para tornar obedientes e, em alguns casos, para proteger incondicionalmente quem adestra. Dócil e servil para com o dono; selvagem para com quem ameaçá-lo ou para quem ele mandar atacar. Isso também pode ocorrer com seres humanos! Enquanto educamos uns para a racionalidade, outros são adestrados para desenvolverem seus instintos selvagens, com objetivos bastante específicos e a mais alta tecnologia. E eles aprendem tudo, inclusive várias formas de destruir coisas e gentes, com as mãos ou com botões; olhando nos olhos ou num mapa, ou imagem de satélite. São treinados para não questionarem suas lideranças; para não pensarem nas consequências de seus atos; para não terem escrúpulos ou arrependimentos. São transformados em robôs orgânicos, com suas memórias RAM preenchidas apenas com “programas” autorizados e “firewalls” censores! Eles são “educados” para serem assim, muitos deles sem opção. Educação traumática que marca por toda vida! Têm seus espíritos doutrinados para obedecer em troca de um agrado, uma promoção, posses, bênçãos divinas que em vida lhes são negadas. A desobediência é punida com múltiplas formas de sofrimento, semelhantes às que estão reservadas para os desprezíveis “inimigos”. Seus “educadores” têm um único objetivo: poder, material ou espiritual! E fazem qualquer coisa para retê-lo, física e psicologicamente, inclusive manter a humanidade eternamente dividida e em constante conflito. Falam em paz e amor entre si, mas educam para o rancor e ódio contra todos os que ameaçam suas crenças materialistas ou espirituais. Têm o poder de curar, mas preferem manter feridas abertas; segregar, como azeite e vinagre, apesar de saberem que juntos eles melhoram o sabor. Que “educadores” são esses, que afirmam que sua missão é nobre ou divina enquanto exortam ao ataque, ao revide, à submissão ou extermínio do outro? Que ensinam ódio e preconceito nas escolas, nos templos ou em suas próprias casas? Qual será seu legado positivo para a humanidade? Conseguirão superar diferenças religiosas ou ideológicas, inclusive dentro das próprias religiões e partidos? Resolverão conflitos étnicos ou de fronteiras? Eliminarão a fome, a miséria, a ganância dos especuladores financeiros e fabricantes de armas? Extinguirão as guerras? Não! Não será cultivando ódio, intolerância e outros tipos de preconceitos, e criando máquinas de guerra: materiais ou humanas que conseguirão isso. A Terra não precisa desse tipo de “cultura” regada a sangue. A Terra é azul e não vermelha! A riqueza e diversidade das culturas deveriam reintegrar seres humanos à fraternidade original. A busca de detalhes que distinguem deveria dar lugar à unidade do todo. Mas a “tradição” do ódio e da arrogância, cuidadosamente transmitida de geração em geração, insiste em separar os povos, mantê-los em conflito. E o fazem mesmo dentre de uma mesma cultura, estabelecendo castas, classes, linhagens... Humanidade mal-educada! Será que se tomássemos recém-nascidos de todas as nacionalidades, religiões, raças e etnias, e os fizéssemos crescerem juntos, numa atmosfera de amizade, solidariedade e igualdade o rancor teria lugar? Mas isso não seria, igualmente, uma violência? E nós, adultos, somos um caso perdido? Talvez não, se ainda existir em nós algum tênue vestígio do livre-arbítrio. Mas, para cada um que diz “Não!”, ainda existem centenas de “ovelhas” que dizem “Sim!” e seguem obedientes e contritas a serem tosadas e abatidas na fogueira de vaidades e delírios de seus líderes insanos ou mal-intencionados. Quem sabe um dia os seres humanos parem de disputar a posse de Deus, a primazia de Seu legado ou usá-lo como desculpa para esconder seus reais propósitos, e compreendam que Ele é Pai de todos; que Seu amor é pródigo e indistinto; que Sua capacidade de perdoar é infinita; e que é nisso que devemos ser Sua imagem e semelhança. Quem sabe um dia eles lembrem que somos parte da natureza. Quem sabe um dia quem busca poder material e espiritual sem limites aprenda que o medo que se impõe aos outros é o fermento da revolta que mina as bases desse tipo de poder. Mas tem gente que acha que perdoar revela fraqueza. A única “lei” que entendem é a do “mais forte”, da violência física ou psicológica que condiciona, domina, usa e abusa. Para estes, as “tradições” ainda prevalecem, quais chagas cultivadas por quem se nutre da doença; prefere matar o doente a curá-lo; ensina apenas o que interessa à manutenção do próprio poder; transforma o natural instinto de sobrevivência em monstruoso instinto de matança e, assim, busca matar pela raiz, desde a infância, o potencial de bem que cada novo ser humano representa para a humanidade. Matam a inocência! Matam a esperança! São maus “professores”, péssimos “mestres”! Mas extremamente dedicados e objetivos em suas práticas. Como seria bom ter educadores assim em prol da paz e do congraçamento entre os povos; formadores de seres humanos e não de máquinas; cultores da conscientização de que Deus, natureza e ser humano fazem parte de um mesmo todo, uno e harmonioso! Seria divino! Mas é preciso de muita coragem, inteligência, sabedoria e amor para isso... Nota do Editor: Adilson Luiz Gonçalves é mestre em educação, escritor, engenheiro, professor universitário (UNISANTOS e UNISANTA) e compositor. E-mail: prof_adilson_luiz@yahoo.com.br.
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