“A discussão se tornou política. (...) No momento em que a grande bandeira do neoliberalismo sucumbiu, que era a nossa submissão total ao capital financeiro e às suas necessidades desregulamentadoras, os próprios promotores e ideólogos desse modelo precisavam de um outro argumento para fazer oposição e se apegaram nesse do Battisti. Não é de pasmar que 99% dessas pessoas defendem impunidade para os torturadores.” (Tarso Genro, ministro da Justiça, em O Globo, do dia 26/01/2009) Com essas palavras politicamente esterilizadas, passadas no filtro da mais isenta sabedoria salomônica, o ministro Tarso Genro desqualifica toda divergência à sua solitária e monocrática decisão de conceder refúgio ao terrorista Cesare Battisti. Solitária e monocrática. Ao decidir, o ministro contrariou o conjunto das autoridades nacionais que se manifestaram antes dele, ou seja, o Procurador Geral da República e o Comitê Nacional para Refugiados (Conare, que é um órgão composto por representantes de cinco ministérios do governo federal, Polícia Federal, Caritas e Alto Comissariado da ONU para os Refugiados). Pelas contas do ministro deve haver um bom número de neoliberais e defensores da tortura no meio dessas personalidades que consideraram correto mandar Battisti de volta à justiça que o condenou. Quem quiser conhecer a ficha criminal do refugiado, anterior ao seu ingresso no Proletari Armati per il Comunismo, deve acessar o blog do desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch onde há um bem detalhado retrospecto das atividades do italiano como bandido comum e como terrorista. Os delitos pelos quais permanece condenado correspondem à segunda fase de sua carreira, já como membro graduado de uma das muitas organizações terroristas que agiram contra as instituições democráticas de seu país nos anos 70. Darei um salto retórico sobre a tal intervenção de Carla Bruni em favor do conterrâneo (ela jura que não fez isso), outro sobre o perfil do advogado escolhido por Battisti, o bravo e estrelado companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh, e outro ainda mais longo sobre o caso dos cubanos. Vamos ao centro do problema, que se resume no fato de que o jovem Cesare lutava por uma causa, praticando crimes que o próprio ministro qualifica inaceitáveis sob o ponto de vista do “humanismo democrático”. No entanto, a causa era a ditadura do proletariado e aí saímos das razões da razão e do Direito e vamos às da ideologia. Crime cometido por uma causa revolucionária esquerdista parece subir vários degraus na escadaria da consideração dos camaradas e descer outros tantos na da gravidade. Por isso Pinochet é qualificado como o que de fato foi, um ditador, e Fidel é aclamado “el Comandante”. Cesare Battisti recebe do governo brasileiro a condição de refugiado por ter praticado crimes com motivação esquerdista. Não fosse assim, teria buscado outro advogado e não estaria com certa esquerda nacional alinhada em sua defesa. Fosse ele “de direita”, teria recebido um pé nos fundilhos. Battisti lutava por uma causa que já lhe custou caro. Ele, como muitos, poderia ter morrido na defesa dos ideais que abraçou. Não é bonito, isso? Sim, em tese, é nobre ter ideais pelos quais nos dispomos a morrer. No entanto, esse não é o caso. Não faz parte desta história o mérito inerente a quem se dispõe a morrer por seus ideais, mas a malignidade de quem, a juízo próprio, sacrifica inocentes em nome de suas crenças pessoais. É o crime de Battisti, dos homens-bomba, e de muitos que hoje recebem recompensas e reconhecimentos malgrado os delitos em que se envolveram. Nota do Editor: Percival Puggina (www.puggina.org) é arquiteto e da Presidente Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. Conferencista muito solicitado, profere dezenas de palestras por ano em todo o país sobre temas sociais, políticos e religiosos. Escreve semanalmente artigos de opinião para mais de uma centena de jornais do Rio Grande do Sul.
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