A internet é uma fonte generosa. Pode-se dizer que sabendo escolher, a gente encontra muita coisa boa mesmo, além de curiosidades várias, para qualquer gosto. Nunca é demais exaltar essa qualidade – sem esquecer os defeitos, como servir de canal para a pedofilia. Mas ainda que façamos descobertas fantásticas, ainda assim, elas quase nunca são exclusivas. Explico. Ouvi tempos atrás uma música gravada, se não me engano, nos anos 80 por um coral formado por ninguém menos que Roberto Carlos, Erasmo, Maria Bethânia, Tim Maia, Caetano, Gonzaguinha, Gil, Fagner... e tantos outros medalhões da MPB. A letra falava (ou fala) sobre seca e a necessidade de preservar os recursos naturais, amenizar o sofrimento de quem “não tem água nem de beber”. Curioso é que nessa época nem se pensava em aquecimento global, pelo menos com a atenção que o assunto desperta hoje. A letra é fraca, repetitiva e até achei engraçado quando reconheci os artistas que emendavam os refrões dizendo “quero água pra beber, me dê um copo d’água.”, em cima de um arranjo meio reggae. Agora vou te dar a letra da seca. Reunir esse pessoal para gravar aquilo foi um equívoco histórico. Muita pólvora e pouco barulho. Melhor se fosse para ajudar na mobilização em cima de um programa de longo prazo, mais amplo e que permitisse não só levar água para algumas áreas secas do Nordeste – como se pretende na tão propalada transposição do Rio São Francisco, mas sobretudo abastecer todas as regiões carentes de recursos, educação, saneamento, desenvolvimento e boas condições de vida. Reuniram um timaço para gravar, foi uma produção sofisticada... e no gogó de tantas feras até música minha fica boa. É um registro raro, poucas vezes vi tantos bons artistas brasileiros juntos em um só trabalho. Ouvir é um privilégio (só com internet mesmo). Vamos seguir o rosário. Achei a letra fraca. Não sei, acho que na época houve toda uma cena, o clip foi lançado no Fantástico, e o clima era meio (ou todo) “We are the world” – o pessoal aí com mais de 30 deve lembrar. E... agora a Xuxa gravou a mesma música! Pronto. Perdi o gosto de escutar, nem vou mais na pastinha onde salvei o arquivo de MP3. Mas valeu o tempo que achei aquilo uma senhora descoberta, “quase ninguém tem isso”, pensei. Mas os espertinhos da assessoria da Xuxa ouviram, e ela – que continua linda, mas não canta lhufas – também ouviu e gravou. “Coisas do Brasil... coisas do amor”, tem também essa que era, ou é do Guilherme Arantes – a gente costuma tratar no passado o que não está mais presente; e essa música literalmente sumiu, décadas depois de tocar todo dia no rádio. Coisas do Brasil... é meio isso mesmo, aqui as coisas são singulares, geralmente absurdas, exageradas, tanto para o melhor quanto para o pior. Obras grandes, orçamentos enormes e complexos, e um exército de formigas a serviço de cigarras que se dão MUITO BEM e a vida segue. Aqui em Belo Horizonte, o metrô subterrâneo ainda é uma quimera urbana, ligaria a Savassi à Pampulha; do coração da cidade direto para as obras de Niemeyer e o Mineirão. Mas isso ainda é um sonho; e imagino o quanto coçam os bolsos do pessoal ligado às empreiteiras. Agora deve sair do papel outro antigo sonho tupiniquim: o trem-bala entre Rio e São Paulo. Imagino o que isso vai significar para esses poucos que se dão MUITO BEM. Mas as formigas depois irão para outras paragens e talvez não serão nem passageiras desse trem. “Tijolo por tijolo, num desenho lógico, para mais tarde morrer na contramão atrapalhando o tráfego”, evoé Chico Buarque. Algumas, coitadas, vão mesmo é perder o trem e depois vagar por aí, perderão a rota, o sentido, finalmente o gosto pela vida e de repente irão sumir. Para depois cair de volta nos braços do Estado em algum programa de recuperação – desses que tanto crescem graças à lei da oferta e procura das metrópoles desse país gigantesco, usina de problemas para assistência social resolver ‘com urgência’. Com alguma sorte, esses brasileiros poderão recuperar o direito a uma carteira de identidade e também... ao programa bolsa-família! Claro, “tá molinho de arrumar, he he”. Temos que adaptar-nos à uma realidade que não criamos, gostaríamos que fosse diferente mas não é. Dito isso, pego meu chapéu, abano e dou no pé. O domingo começa, tem sol na janela e isso garante uma boa esticada nas pernas. Pelo menos aqui não tem tsunami! Minas não tem mar, mas tem rio para pescar e muito, muito bar. Inté. Nota do Editor: Marcos Alves é jornalista.
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