Os principais meios de comunicação estão, há mais de um ano, repletos de diagnósticos sobre enfermidades da economia norte-americana. Os banqueiros centrais, os políticos e os economistas tentam explicar com termos médicos a decaída sofrida pela economia da superpotência e a comparam a um colapso, um infarto, uma depressão ou uma queda de confiança nas próprias forças. Para numerosos observadores, o corpo econômico norte-americano sofre uma comoção, necessita de injeções de liquidez e ser enviado a uma sala de terapia intensiva para ter a vida salva. Alguns têm a esperança de que o organismo responda aos medicamentos e possa passar para a sala de recuperação. É evidente que, após um comportamento insalubre sofrido durante o último quarto de século, a economia dos Estados Unidos esteja deformada e desfigurada. Ficou comprovado que sofre um crescimento canceroso em seu setor financeiro, que cobre mais de 20% do produto interno bruto. Um setor financeiro normal, que pode ser comparado com o fornecimento de sangue para o sistema circulatório, não deve superar os 10% do PIB. Um diagnóstico completo do corpo econômico norte-americano revela que sofre de: - Hipertrofia do coração e do sistema circulatório. Ao contrário da sangria aplicada antigamente pelos médicos, os atuais doutores econômicos tentam aumentar a circulação sanguínea por meio de injeções de liquidez que causam hematomas no setor bancário. O remédio consiste na aplicação de bypass que reduzam a dilatação artificial de bancos e companhias de seguros de Wall Street, que eram considerados “muito grandes para quebrar” e canalizem a corrente sanguínea para os endividados proprietários de casas, os estudantes, os orçamentos estaduais ou regionais, os subsídios para o desemprego, a educação e a saúde pública. - Disfunção do sistema imunológico, no qual as funções reguladoras dos órgãos vitais estão comprometidas, causando o crescimento anômalo de organismos tóxicos tais como hedge funds (fundos de risco) e uma coleção de irreconhecíveis invasores: CDO, SIV, CDS etc. Cura-se com anticorpos que reforcem a imunidade, com enemas para eliminar os dejetos tóxicos de bancos e companhias de seguros, e desenganando os financeiros temerários. - Atrofia muscular e óssea, na medida em que a coluna vertebral do sistema industrial foi desmantelando e a produção de equipamentos e bens mudou para países com mão-de-obra barata e menos regulamentada. O organismo sofreu danos, já que os sistemas de tratamento de esgoto, pontes, represas, estradas e ferrovias estão deteriorados. Prescreve-se transfusões de sangue para que o sistema circulatório se oxigene e restaure os tecidos, os ossos e os tendões. - Sobrepeso e acúmulo de tecido adiposo devido à excessiva produção de automóveis para o transporte individual, o que provoca um trânsito de proporções cada vez maiores, dificultando a circulação de bicicleta ou a pé. Combate-se estimulando a revitalização urbana e atualizando o projeto das cidades com mais ruas para pedestres e vias adequadas para o trânsito maciço. - Hipertrofia e disfunção do complexo médico-industrial, que engole 16% do PIB, e do complexo militar-industrial, que provoca dolorosas câimbras de US$ 500 bilhões ao ano, requerem, respectivamente, programas de saúde preventivos e universais, bem como privilegiar a diplomacia e os serviços de inteligência em lugar do armamentismo nuclear e convencional. - Atrofia cerebral e do sistema nervoso devido ao torpor mental dos principais meios de comunicação. A publicidade leva ao desperdício consumista e ofusca o entendimento público sobre a necessidade de substituir os combustíveis de origem fóssil por fontes de energia renováveis. Os remédios incluem o estabelecimento de limites e normas éticas para a publicidade e as campanhas políticas, junto com a reconstrução de escolas que estão caindo e pagar adequadamente os professores. - Intestino preso e acúmulo de substâncias nocivas em diversos órgãos, levando a uma incapacidade para depurar os balanços mediante medidas de desvalorização adequadas e à bancarrota. As prescrições incluem restrição dos grupos de pressão e das contribuições políticas e aprovação de leis sobre as atividades financeiras. A redução do setor financeiro a dimensões compatíveis com a saúde pública exige a eliminação dos fundos acionários turvos e insolventes, bem como a proibição da venda de ações a descoberto e a restauração da lei Glass-Steagall, que impõe a separação de esferas entre os diferentes tipos de bancos (de investimento, comerciais, de depósitos). Outra prescrição fundamental é a de estabelecer uma pequena taxa sobre as transações diárias de divisas superiores a US$ 2 bilhões, das quais 90% são pura especulação. A evasão fiscal e a lavagem de dinheiro podem ser monitoradas mais rigidamente e perseguidas judicialmente enquanto as transferências offshore para bordéis financeiros podem ser cauterizadas. É possível curar o corpo econômico norte-americano? Sim. O rejuvenescimento e as reformas estão na agenda do novo governo encabeçado por Barack Obama, que compreende uma cirurgia de reconstrução, para implantar uma infra-estrutura mais eficiente, baseada na energia solar, eólica e geotérmica. Se esse tratamento for aplicado aos consumidores norte-americanos, com eles dando um pontapé em muitos velhos vícios, os produtores farão crescer novas e mais sustentáveis economias. As indústrias infladas reduzirão seu tamanho, enquanto as firmas ineficientes irão à ruína. Os velhos sonhos de Wall Street de “donos do universo” e as aventuras militares e imperiais dos neoconservadores se desvanecerão tranquilamente. Nota do Editor: Hazel Henderson é economista, líder mundial da plataforma Mercado Ético. Autora de vários livros, entre eles Ethical Markets: Growing the Green Economy. Co-criadora do Calvert-Henderson Quality of Life Indicators, juntamente com o Calvert Group. Participou do Comitê Organizador da conferência Beyond GDP no Parlamento Europeu (www.beyond-gdp.eu).
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