Como se sabe, há três tipos de programa na televisão: os que são produzidos pelo próprio canal. Por exemplo: O Domingão do Faustão. Os chamados “enlatados”, que são comprados no exterior e reproduzidos pelo canal. Por exemplo: o Lost (Perdidos). E finalmente, os que um canal compra a idéia no exterior, mas produz o programa com direção e participantes nacionais. Este é o caso do BBB - Big Brother Brasil. Ouvi dizer que a idéia foi comprada de um canal holandês, mas a produção e direção são da TV Globo. Apesar de (ou por causa de) esse programa ser de um baixíssimo nível e de uma vulgaridade atroz costuma bater todos os recordes de audiência no seu horário. E o fato de contar com grande recepção faz dele um sintoma da mentalidade brasileira atual. A ignorância, a grosseria, o despudor, o vencer na vida a qualquer preço são algumas de suas marcas registradas. Por tudo isso, eu tinha pensado em escrever um artigo sobre o BBB, mas eis que recebi em e-mail com um excelente artigo de Miguel Reale Jr, professor titular da Faculdade de Direito da USP. Eu não teria nada a acrescentar nem retirar do referido artigo, que diz exatamente o que penso e acho que também assim pensa a minoria irrisória de brasileiros que - ao contrário de seu Presidente e seus eleitores não afeitos à leitura – ainda lêem, entendem o que lêem e são assíduos praticantes da aeróbica dos neurônios. Malgrado ter sido publicado no Estado de São Paulo há um ano, mais precisamente em 2/2/2008, o artigo permanece atual e deverá permanecer enquanto o referido programa estiver no ar, poluindo a atmosfera com seus odores pútridos. Dito isto, vejamos o que ele tem a dizer... “Programas como Big Brother indicam a completa perda do pudor, ausência de noção do que cabe permanecer entre quatro paredes. Desfaz-se a diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado. Assim, expõe-se ao grande público a realidade íntima das pessoas por meios virtuais, com absoluto desvelamento das zonas de exclusividade. A privacidade passa a ser vivida no espaço público. O Big Brother Brasil, a Baixaria Brega do Brasil, faz de todos os telespectadores voyeurs de cenas protagonizadas na realidade de uma casa ocupada por pessoas que expõem publicamente suas zonas de vida mais íntima, em busca de dinheiro e sucesso. Tentei acompanhar o programa. Suportei apenas dez minutos: o suficiente para notar que estes violadores da própria privacidade falam em péssimo português obviedades com pretenso ar pascaliano, com jeito ansioso de serem engraçadamente profundos. Mas o público concede elevadas audiências de 35 pontos e aciona, mediante pagamento da ligação, 18 milhões de telefonemas para participar do chamado "paredão", quando um dos protagonistas há de ser eliminado. Por sites da internet se pode saber do dia-a-dia desse reino do despudor e do mau gosto. As moças ensinam a dança do bumbum para cima. As festas abrem espaço para a sacanagem geral. Uma das moças no baile funk bebe sem parar. Embriagada, levanta a blusa, a mostrar os seios. Depois, no banheiro, se põe a fazer depilação. Uma das participantes acorda com sangue nos lençóis, a revelar ter tido menstruação durante a noite. Outra convivente resiste a uma conquista, mas depois de assediada cede ao cerco com cinematográfico beijo no insistente conquistador que em seguida ridiculamente chora por ter traído a namorada à vista de todo o Brasil. A moça assediada, no entanto, diz que o beijo superou as expectativas. É possível conjunto mais significativo de vulgaridade chocante? Instala-se o império do mau gosto. O programa gera a perda do respeito de si mesmo por parte dos protagonistas, prometendo-lhes sucesso ao custo da violação consentida da intimidade. Mas o pior: estimula o telespectador a se divertir com a baixeza e a intimidade alheia. O Big Brother explora os maus instintos ao promover o exemplo de bebedeiras, de erotismo tosco e ilimitado, de burrice continuada, num festival de elevada deselegância. O gosto do mal e mau gosto são igualmente sinais dos tempos, caracterizados pela decomposição dos valores da pessoa humana, portadora de dignidade só realizável de fixados limites intransponíveis de respeito a si própria e ao próximo, de preservação da privacidade e de vivência da solidariedade na comunhão social. O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.” Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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