Fala sério!
Corria na década de 1980, para desagrado dos profissionais de engenharia, a piada de que a graduação na área teria o acréscimo do sexto ano, que seria o de "especialização na remoção de escombros" por causa dos muitos acidentes e perdas na construção civil. Já para o desconforto de economistas, para dizer o mínimo, a piada que serpenteava alegre pela boca do povo era de que "economistas são péssimos arquitetos e legistas piores ainda", porque, alegava-se, "falhavam na construção dos modelos econômicos" e "não acertavam uma explicação sobre a causa mortis dos infalíveis planos e modelos econômicos". Hoje, quem experimenta verdadeiro inferno astral são os profissionais de recursos humanos, como sempre incapazes de deter a fúria demissionária das empresas que perderam dinheiro grosso por causa da ambição e desregramento dos seus gênios financeiros (especulação na baixa do dólar, o mercado de derivativos e outras diatribes irresponsáveis), assim como sem muita credibilidade para explicar porque as empresas demitem de forma tão fácil e usam o emprego como arma de terrorismo contra o Estado. No país em que salário é renda e que convulsões econômicas são tratadas como marolinhas, quem emprega vale-se disso para obter financiamentos, perdão de dívidas, rolagem de débitos e prêmios pela incompetência (sim, aqui também se bonifica os executivos que levam as empresas às barbas dos tribunais). Quem explica por que é mais fácil eliminar algumas centenas de empregos pagos com salários patéticos, embora apenados com os encargos trabalhistas? Quem apresenta argumentos consistentes na defesa da preservação de milhares de empregos se o corte de custos passasse pelos grandes executivos ou pelos custos resultantes da incompetência? E os empregos que são incinerados pelos programas de qualidade total armados para enganar o auditor da qualidade? Quantos são os empregos sacrificados pela leveza virginal de impolutos pagadores de impostos (para a mídia...), enquanto se faz média nas entrevistas e se movimenta montanhas de dinheiros por entre as brechas da lei e das fraturas jamais curadas da máquina de arrecadação pública? Quem explica, ou quem deveria explicar, se é que se tem alguma explicação para o que salga os olhos e amarga a esperança: à menor contração do mercado fazer corresponder o "olho da rua"? Entrevistado por uma emissora de TV, um gestor de RH dizia que o desemprego atual, perto de milhão, era apenas uma fase transitória, coisinha até pouca, que os demitidos até gostaram porque levantaram um dinheirinho com as verbas indenizatórias e com os saques do FGTS. E dizia isso com a cara lavada! Como é que um tolo como esse pode ser levado a sério, quando é imperioso que se diga ao empresário que corta cabeças e desarticula vidas e sonhos que não se deve tratar pessoas como descartáveis, muito menos como equipamentos que se obtêm por meio de meras operações de leasing, aumentando ou diminuindo sua contratação e uso sem a menor preocupação, porque máquinas e essas coisas não têm sentimentos, mas as pessoas têm. O tal gestor deveria lembrar ao empresário que mais machucados emocionalmente que os demitidos ficam os que são mantidos, porque a partir daí sempre estarão esperando a sua vez de serem chamados para uma conversa que começa sempre com um "sinto muito... estamos em reestruturação...". Nem emprego e nem amor são para sempre, a não ser o emprego protegido pelas blindagens dos poderosos e o amor dos insanos. Mas, tratar as pessoas como sobras de guerra e empurrá-las para o mercado saturado e sombrio, supondo que basta um anúncio no jornal para voltarem correndo para a empresa, balançando os rabicós e contentes como vira-latas, é, no mínimo, brincar de senhor da guerra com a arma de terceiros e a morte em batalhas de todos. Não importa se escombros devam ser removidos ou se desastres econômicos ainda precisem de explicações, assim como nada justifica esperar a justiça dos céus. Mas pode-se, razoavelmente, partir do pressuposto de que os autoproclamados especialistas em gestão de pessoas estejam calibrados para, se não evitar as crises, pelo menos ensinar a como nelas lidar com pessoas e seus assombros. E que essas pessoas acreditem, de verdade, que são o diferencial competitivo das empresas que as empregam. Nota do Editor: Benedito Milioni é professor, sociólogo e administrador de empresas. É um dos maiores especialistas em treinamento e desenvolvimento do Brasil, tem experiência de mais de três décadas em educação corporativa, é, atualmente, o mais profícuo autor do segmento, com mais de 30 livros publicados. Há 25 anos fundou a AssertRH, consultoria pela qual já passaram cerca de 350 empresas e mais de 85 mil pessoas.
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