Em nome dos milhões de brasileiros alijados das decisões que vão impactar diretamente o seu cotidiano; lastreado no retrospecto de 45 anos dedicados ao estudo e ao ensino da Língua Portuguesa; impelido pelo direito de participar e desejo de contribuir com o aprimoramento da matéria; preocupado com o prejuízo objetivo que vai recair sobre toda a sociedade e convencido de que é possível resgatar o tempo perdido, reparar as improvisações e abolir o caráter cosmético das mudanças em curso, torno público o presente manifesto. Mais que uma cartilha alternativa sobre como poderia se dar, tecnicamente, a padronização ortográfica, o que segue é um elenco sucinto de ingredientes para a reflexão. E um convite à manifestação de todos os interessados no tema. 1 - Do início dos trabalhos da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa (1980) à criação do acordo (1990) foram dez anos. A aprovação de Portugal só se deu em 2007. E do Brasil, em 2008. Porém, quase 30 anos de discussões lentas e fechadas, cujos poucos protagonistas ficaram de costas para a comunidade de estudiosos do assunto, como se ungidos por uma espécie de saber absoluto. Lenta e fechada, a reforma nasceu velha e capenga. Não se alimentou de massa crítica nem levou em conta mudanças tecnológicas profundas. Restringiu-se às idiossincrasias autorais, em vez de ousar em matéria de metodologia. Contentou-se com o mais ou menos e cedeu às soluções arbitrárias, em detrimento de um trabalho criterioso e completo. Parafraseando os latinos, "a montanha pariu um rato". 2 - Na verdade, a sociedade brasileira recebeu um prato feito. Mas não precisamos engoli-lo placidamente. Afinal, somos de longe o país com a grande maioria de falantes da Língua Portuguesa no mundo - mais de 180 milhões. Um autêntico continente a se comunicar, de norte a sul, no idioma de Camões e Guimarães. Uma economia considerável, no cenário internacional. Uma rede instalada de comunicação moderna, capaz de aproximar patrícios-irmãos separados por milhares de quilômetros e unidos pelo idioma comum. 3 - Portugal nem estabeleceu data para iniciar a implantação do Acordo Ortográfico, que lá terá seis anos para ocorrer. Aqui, a contagem regressiva começou em primeiro de janeiro de 2009 - e são apenas quatro anos de uso facultativo da ’velha’ e da ’nova’ ortografia. 4 - O tempo é pouco, mas suficiente para mobilizar. Suficiente para chamar atenção do próprio parlamento e do governo brasileiro, que talvez não tenham percebido aspectos perversos desse açodamento supérfluo, dessa pressa arrastada, desse jeito simplista de lidar com o tema. 5 - Vamos despertar o interesse das Universidades! Comecemos pelas Federais, nos campi de todo o país, especialmente nos departamentos dedicados ao estudo da linguagem, das línguas e da Língua Portuguesa. 6 - Criar fóruns funcionais, produtivos e pragmáticos, interativos em ambiente web, para revisar com ambição exeqüível (com trema ou sem ele...) o Acordo Ortográfico no seu todo. Fatorar. Limpar. Enxugar. Eliminar exceções. Fazer uma varredura em todo o léxico, de A a Z, levando em conta a etimologia de cada vocábulo. Criar softwares. Usar da estatística como ferramenta. Inventariar com amplitude e completude. 7 - Levar em conta que o aprimoramento do EaD (Ensino a Distância) no Brasil é extraordinário, o que permite grande produtividade numa empreitada dessa natureza. Há informação comprovada de que uma hora de aprendizado na web equivale a seis horas de ensino presencial. 8 - Com diretriz do Ministério da Educação, das Federais os fóruns irradiarão para as Universidades Estaduais e para toda a rede particular de ensino universitário. Criar fatos novos e descortinar evidências inquestionáveis de que a reforma, do jeito como foi regulamentada pelo Presidente Lula em 29 de setembro de 2008 não alcança o que se propõe a resolver. Pior que isso: de certo modo, promove o retrocesso. Caso típico da "emenda pior que o soneto". 9 - O custo da implantação do Acordo Ortográfico aprovado será exorbitante, considerando os benefícios pretendidos. A esta conta, deve-se projetar o tempo que cada usuário da Língua Portuguesa gastará para checar, via dicionários, o modo correto de escrever as palavras. Tempo de professores e alunos. Desconforto inútil. Seis por meia-dúzia - ou nem tanto... A reformazinha, com todo respeito ao esforço que certamente os autores despenderam para produzi-la, nasceu com problemas de concepção. Ou se tem a coragem de promover o seu re-nascimento, a sua re-concepção ou teremos de nos contentar com uma mera "buzina de avião" - extravagante, porém pra nada serve. 10 - Somos um imenso país rico, mas pobre - o paradoxo é conhecido e dispensa explicações. Sejamos um país rico, mas rico. Há que se pensar, no caso do Acordo Ortográfico, em aspectos relacionados à responsabilidade social. Não podemos brincar de rasgar dinheiro nem endossar miopias que, na prática, resultam em ’criar dificuldades para vender facilidades’. A padronização ortográfica é apenas um pequeno pedaço do conhecimento completo da Língua Portuguesa. Temos de tomar a dianteira para fazer o que deve ser feito. Se não isso, que tudo permaneça como está. A Língua Inglesa, por exemplo, hegemônica no mundo, tem peculiaridades de acordo com o país em que é falada. E nem por isso governos e comunidades acadêmicas se ocupam com padronizações. 11 - O momento é agora. A matéria encerra discussões ainda adormecidas, que precisam ser encerradas. Pouco se comentou sobre a população cega do Brasil, que pode estar próxima de um milhão de pessoas. As mudanças ortográficas implicam alteração de toda literatura escrita em Braille. E a terminologia científica, a exemplo dos jargões da medicina, química, física, biologia, botânica - entre outros tantos? A reformazinha, infelizmente de visão curta e desfocada, não podia ter tido, e não teve, a pretensão necessária de alcançar a universalidade do seu objeto de estudo e do seu objetivo. 12 - Vontade política, clareza de propósitos e responsabilidade com as gerações do presente e do futuro. Isso é o mínimo que se espera e que se deve exigir dos nossos governantes no trato desta questão. Que não lhes falte discernimento, espírito público elevado e compromisso com a democracia, também no trato da nossa Língua Pátria.
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