Se restarem confirmadas as graves denúncias - já desmentidas pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo - de que o empresário Marcos Valério foi espancado e sofreu tentativas de extorsão durante os 98 dias em que esteve recolhido à Penitenciária Estadual II, de Tremembé (SP), as autoridades terão pela frente um importante trabalho de assepsia profissional, moral e técnica ao sistema. Não pode um indivíduo - independente de quem seja ele - sob custódia do Estado sofrer maus-tratos ou coação dentro da prisão. Uma vez recolhido, ele é responsabilidade do Estado que, pelo menos em princípio, não é composto e nem admite bandidos em seus escaninhos. Verdade que Marcos Valério, o operador do "mensalão", esquema que torna malcheirosa a política nacional e compromete figuras de alto escalão, até hoje impunes, deve ter muita coisa a revelar. Mas isso deve ser feito à polícia, ao Ministério Público e à Justiça, encarregados de apurar os crimes de que é acusado, não dentro do presídio, a criminosos iguais ou maiores do que ele que, com as informações, poderão cometer atos ainda piores. Espera-se que, além do desmentido do órgão penitenciário, o governo, as corregedorias, o Ministério Público e a Justiça se interessem na apuração do que de fato aconteceu a Valério durante o período em que esteve preso. E que, a partir do conhecimento dos fatos, sejam adotadas as medidas mais severas para punir os faltosos. Se Valério mentiu, seja ele processado também pela falsa declaração. Mas se as agressões realmente ocorreram, sejam elas apuradas até a identificação e punição de todos os envolvidos, restabelecendo-se assim a autoridade e a dignidade perdidas. Um crime jamais poderá justificar outro e nem servir de cortina de fumaça para encobrir acontecimentos anteriores. A simples denúncia da existência do mensalão foi um bem para a comunidade, embora muitos dos seus beneficiados ainda estejam impunes, protegidos por imunidades que, a cada dia, tornam-se mais vergonhosas e descabidas. Valério chega a classificar-se como "preso político". Isto é um descabido exagero. Primeiro porque sua prisão foi determinada por episódios diferentes do "mensalão", que lhe rendeu notoriedade e dores-de-cabeça. Segundo, porque ficaria muito fácil ele próprio sair dessa condição de suposto refém daqueles a quem transferiu dinheiro irregularmente. Bastaria, num gesto de grandeza, comparecer à Justiça e revelar tudo o que sabe. Se assim o fizer, poderá ser beneficiado pela delação premiada, colocar na cadeia aqueles de quem hoje reclama e, de quebra, ainda recuperar um pouco da honra perdida. Marcos Valério, deputados, senadores, ministros e todos os poderosos deveriam ser cientes de que o crime não compensa. E as autoridades precisam ficar vigilantes para que fatos como os denunciados pelo empresário mineiro não ocorram dentro das prisões. Se não for devidamente esclarecido se Valério foi mesmo agredido durante o período da prisão, o Estado restará curvado ao crime organizado ou, pelo menos, como refém do colarinho branco. Isso não pode ocorrer... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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