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Opinião
23/03/2009 - 05h26
Só um justo
Maria Lúcia Victor Barbosa - Parlata
 

O julgamento pelo STF, no dia 19/03, da demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, culminou naquilo que já se esperava: a continuidade da área de 1,7 milhão de hectares ou 12 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Isso significa que essa parte do território nacional, que tem fronteira com a Guiana e a Venezuela, pertence agora a uma “nação indígena” e nela não poderão viver ou sequer pisar os chamados “não índios” (termo politicamente correto), como se todos nós, brancos, negros, pardos não fossemos igualmente brasileiros.

Segundo o ministro Carlos Ayres Britto, os arrozeiros devem ser expulsos imediatamente da reserva, como se bandidos fossem. Note-se que os “não índios” que compõe 1,5% dos habitantes do local, produzem 70% do arroz de Roraima ou 106 mil toneladas das 11.04 milhões que são produzidas em todo Brasil.

Só um justo, o ministro Marco Aurélio de Mello, votou contra a abstrusa demarcação. O ministro Marco Aurélio foi, além de justo, corajoso, coerente, clarividente, lúcido. Mas, só um justo, não salva o Brasil. Dez ministros proclamaram radiantes a redenção dos verdadeiros donos da terra que, em sua pureza original, apesar de aculturados, são agora os únicos habitantes da imensa reserva. A eles foi dado o direito de voltar ao atraso primitivo, de se aliar aos que vindo de fora quiserem se estabelecer nas terras de ninguém, ou seja, dos 18 mil índios, gatos pingados naquele ermo sem defesa. Que venham os companheiros das Farc, os cobiçosos estrangeiros, os madeireiros, os predadores de todo o tipo que devastam a natureza e levam a riqueza que o país estupidamente não sabe usar. Ninguém vai tomar conhecimento.

Não digam os senhores ministros que as 19 condições impostas pelo Supremo, arremedos de proteção da reserva, vão funcionar. Desde quando a lei funciona no Brasil? Funciona a velha esperteza, a malandragem que burla as leis que, aliás, raramente são conhecidas, quanto mais cumpridas. No máximo ainda procedemos como nas colônias espanholas onde se dizia: “La ley se acata, pero no se cumple”.

A maioria dos brasileiros não vai tomar conhecimento da infausta sentença dos dez ministros. A reserva de nome exótico, encravada no longínquo Estado de Roraima não faz parte da imaginação do carioca, do baiano, do mineiro, do paulista, do gaúcho, de todos que em seus Estados não têm noção de nossa grandeza territorial, de nossas riquezas naturais. Tão pouco faz parte dos sentimentos de nosso povo o sentido de pátria. Aliás, nossa visão se limita ao entorno imediato de cada um e o estrago feito passará despercebido.

Contudo, os senhores ministros, ao abrir o precedente que consagra na prática a “nação indígena”, escancararam o direito de outras “nações” reivindicarem a posse de várias regiões do país, como é o caso de Mato Grosso, maior produtor de soja, que quem sabe poderá voltar aos tempos pré-colombianos. E não falo só de outros índios ou dos quilombolas. Creio que já não se poderá (ou poderá?) criminalizar as aspirações separatistas dos que almejam apartar do restante do Brasil os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com o objetivo de criar um país menor, mais evoluído e mais próspero, exata contraposição à reserva Raposa Serra do Sol.

Mas há algo mais tenebroso na sentença dos dez ministros. Perpassa no procedimento um quê de venezuelização. A impressão que se tem é que o Judiciário verga diante do Poder Executivo, julgando politicamente o que deveria estar submetido à lei.

Afinal, mesmo antes de Antonio Palocci ser julgado pelo Supremo, Lula da Silva o lançou candidato ao governo de São Paulo, o que indica que o presidente sabe de antemão que nada acontecerá ao companheiro acusado de quebrar o sigilo bancário de um humilde caseiro e de outros crimes ligados à chamada República de Ribeirão. E, sintomaticamente, José Dirceu, que foi chamado pelo Procurador Geral da República de “chefe da quadrilha”, foi inocentado.

Tem mais: como Lula da Silva concorda com o ministro da Justiça e companheiro, Tarso Genro, que o criminoso Cesare Battisti é nosso, contrariando o pedido de extradição feito pelo governo italiano, sugere ao STF que perdoe o terrorista e o liberte. Com isso fica Lula livre de dar a palavra final sobre o caso, transferindo seu desgaste internacional ao Supremo.

Será mais uma vergonha a ser passada pelo Brasil no cenário externo, como se não bastasse o caso da vigarista brasileira, Paula Oliveira, presa na Suíça, do menino norte-americano cuja guarda está sendo negada ao pai biológico, de todos os golpistas e criminosos que no exterior enxovalham a imagem dos brasileiros sérios e dignos.

Infelizmente, só um justo não dá conta de nos salvar de nós mesmos. Mas, pelo menos consola saber que o ministro Marco Aurélio de Mello existe.


Nota do Editor: Maria Lúcia Victor Barbosa (mlucia@sercomtel.com.br) é graduada em Sociologia e Política e Administração Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em Ciência Política pela UnB. É professora da Universidade Estadual de Londrina/PR. Articulista de vários jornais e sites brasileiros. É membro da Academia de Ciências, Artes e Letras de Londrina e premiada na área acadêmica com trabalhos como "Breve Ensaio sobre o Poder" e "A Favor de Nicolau Maquiavel Florentino". Criadora do Departamento de Desenvolvimento Social em sua passagem pela Companhia de Habitação de Londrina. É autora de obras como "O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto: A Ética da Malandragem" e "América Latina: Em Busca do Paraíso Perdido".

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