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Crônicas
23/03/2009 - 13h10
Cada um tem o seu fã
Seu Pedro
 

Movido pela necessidade de acompanhar um pedólogo em suas investigações do solo, em uma região onde deverá ser implantado um perímetro irrigado, esbarramos com uma casa de taipa, de um só cômodo e cozinha. Nela reside um casal sexagenário e solitário, mas indicando um par romântico, até porque sem televisão sobra tempo para amar. Aquela residência, construída no centro de uma plantação de feijão macaça – um feijãozinho do sertanejo, utilizado na confecção do acarajé, e outras iguarias – pareceu-me ser o pouso da felicidade.

Enquanto o professor e seus auxiliares se davam a tarefa de explorar aquele chão, para verificação de sua salinidade, fui até aquela casa caiada de branco, não para que se destacasse do verde que a cercava, mas é “para modo de espantar os barbeiros”, explicou aquele homem de cabelos e barba brancos.

O casal convidou-me a entrar e, com o meu pisar na soleira, minhas vistas já haviam visitado todo aquele lar, que como imaginei, é um doce lar. Uma cama de casal parecendo fueiros de um carro de boi, um velho cabo de vassoura atravessado na quina das paredes era o “guarda-roupa” e um banco de madeira com aproximadamente dois metros servia para passar o dia e ouvir o rádio de pilha.

Também havia uma cômoda em que nas gavetas eram guardados documentos de aposentadoria rural, fotografias, e as pequenas peças de roupa. Sobre o móvel, com algumas flores daquele campo, em um copo de água, havia a imagem de Nossa Senhora Aparecida, protetora do Brasil e, ao seu lado, a de Santa Bárbara, que segundo o mito, protege as pessoas das tempestades. Havia, ainda, uma fotografia emoldurada dos filhos que tinham ido morar na cidade. Ao fundo, em uma cozinha coberta de latada, as panelas de alumínio brilhavam como prata polida. Penduradas estavam as mantas de carne-de-sol.

Na parede, uma espingarda de dois canos, pois como disse o dono da casa, “priveni é mio que remendar”. E explicou ele que se um tiro falhar o outro sai. Contou, inclusive, que por ali tem onça, “e das grande”, e que não matara uma, como prova, porque neste dia falharam os dois tiros e o bicho fugiu.

Tomei um café de bule, preparado com a água fervida no fogão de lenha, adoçado com rapadura. Naquela tarde, o meu diabete estava controlado, e eu ali quebrando regras. Tirei o sapato, senti-me à vontade e pedi para me refestelar na rede colorida, cheirando a sabão caseiro, armada entre dois vigorosos umbuzeiros, enquanto proseávamos sobre as coisas sertanejas. Era a vida que pediria a Deus, se não fosse a necessidade do salário no fim do mês.

Assim que os pesquisadores retornaram, e já nos aguardava a camionete com tração nas quatro rodas, solicitei para um deles que me fotografasse ao centro daquele casal, em que ela, durante as horas em que permaneci ali só falou “pode entrar”, na minha chegada, e “até mais” na minha saída. O resto do tempo, em pé na porta dos fundos, eram sorrisos com a mão na boca, imaginando que assim eu não perceberia que estava banguela. Fotografia feita, despedida, dois sinceros sorrisos na porta que diminuía na distância.

Dias depois fui ao encontro do homem do sertão em uma fila do banco, onde o casal retira a aposentaria rural e dei-lhe uma cópia, em bom tamanho, da foto que tiramos juntos. Ele me exigiu autografá-la. Em outra ocasião, já passados anos, voltei àquele campo.

A casinha branca está pintada novamente, o casal sorridente também, e na parede pendurada, além da espingarda, a foto dos três, emoldurada, em que parecendo velhos amigos, nós estamos sorrindo. Tomei mais uma caneca de café e fui dormir uma tarde na rede colorida, como estava minha alma. Passei a voltar a cada ano.


Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

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