A tal mulher, digamos que fosse uma mulher, recebia num velho sobrado entre a antiga rodoviária e o gasômetro. E nunca recusava freguês: precisasse recobrar a chama do desejo, desinibir-se, era só procurá-la. Nem cobrava! Não em dinheiro. Mas pedia “presentinhos” com voz de caixinha de música, os lábios num gracioso bico à francesa em contraste com o corpanzil esparramado pela cama de dois por dois metros! Sim, enorme, se bem a disfarçassem a penumbra e a fumaça de ramos de louro que ardiam sob o leito e que ela inalava para invocar arcaicos poderes. Então, chamava. E vinham seis, oito de uma só vez! Deixavam-se sugar pelas ventosas da hetaira que, dizem, envolvia ainda com vários pares de braços e lábios sumarentos, enquanto a aspereza de sua pele transmitia aos incapazes inédita eletricidade. Era a cura! Saíam dali felizes para suas mulheres. E assim por várias gerações. Depois, com o metrô, derrubaram toda aquela área, e não se falou mais nela. Esfumou-se com os vapores de uma história ainda hoje inverossímil. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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