No momento em que nova crise envolve o Senado da República - agora o caso de uma babá, uma idosa senhora, usada como laranja para desvio de recursos de créditos consignados aos funcionários da instituição - caberia resgatar a idéia que fundamenta a existência do Senado - e do sistema bicameral de representação popular - no âmbito do Poder Legislativo. Em primeiro lugar, o Senado, adjetivado de Federal, representa os estados da Federação, ou seja, confere o equilíbrio a todas as unidades federadas em termos de peso político, em que cada estado possui três assentos, eleitos pelo sistema majoritário, em contraponto à Câmara dos Deputados que, por sua vez, representa o conjunto da população brasileira, proporcionalmente por cada Estado, de acordo com o número de seus habitantes. Portanto, a idéia é que o Senado restaure o equilíbrio federativo, igualando todos os Estados, enquanto a Câmara discrimina do maior para o menor. Em segundo lugar - mas não necessariamente em ordem de importância - o Senado detém a prerrogativa constitucional de Casa legislativa revisora, ou seja, a partir de projetos oriundos da Câmara dos Deputados, sejam eles de iniciativa própria ou do Poder Executivo, cabe ao Senado disciplinar os "arroubos juvenis" vindos daquela. Não é em vão que, por conta dessa função revisora, em alguns países, essa distinção dos papéis de Senado e Câmara ganha a denominação de Câmara Alta e Câmara Baixa do Parlamento. Portanto, a concepção original do Senado denota justamente esse atributo de conferir equilíbrio às deliberações provindas da Câmara dos Deputados. Deriva daí a exigência de que os candidatos ao Senado tenham, no mínimo, 35 anos de idade, sugerindo que seja essa a idade em que uma pessoa atinja a maturidade e desfrute do equilíbrio necessário ao desempenho do cargo. Na trajetória política brasileira, em passado não muito recente, o Senado era encarado como a Casa do descanso - não no sentido da ociosidade - mas naquele de ser o coroamento de uma carreira política bem-sucedida trilhada por quem já percorrera todos os cargos nos âmbitos do Executivo e/ou do Legislativo: governador, deputado federal diversas vezes, até mesmo presidente da República, caso, por exemplo, de Juscelino Kubitschek. Inclusive daí haver, em alguns casos, a figura do Senador vitalício para ex-presidentes da República. Denota-se, portanto, que, no âmbito dessa tradição, a experiência adquirida em anos de exercício da atividade pública confira ao Senador o equilíbrio e a ponderação só possíveis àqueles que já terão visto e vivido "de tudo" na política nacional. Enfim, equilíbrio é a palavra de ordem do Senado em contraste à balbúrdia reinante na Câmara, em que a jovialidade e a inexperiência permitiriam toda a sorte de comportamentos, a qual caberia, assim, ao Senado, conter. Grandes nomes da história nacional passaram pelo Senado. No Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, Padre Feijó, o Marquês de Olinda e o Duque de Caxias. Na Primeira República, Ruy Barbosa, Pinheiro Machado. No regime de 1946 a 1964, Luiz Carlos Prestes, Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, Otávio Mangabeira, Melo Viana, Mem de Sá, Afonso Arinos, Lúcio Bittencourt, Domingos Velasco. No regime militar, Franco Montoro, Milton Campos, Paulo Brossard, Accioly Filho, Teotônio Villela, Marcos Freire, Danton Jobim e por aí vai. Homens que protagonizaram a história. Não que o Senado estivesse ou esteja isento das paixões humanas, substituídas pela maturidade, pois até cenas de homicídio lá já foram presenciadas. Mas a tônica era o equilíbrio. Quando se lê que o ex-diretor geral do Senado pretende escrever um livro sobre a história do Senado, espera-se que essa característica do equilibro seja a ressaltada e seja percebida pelos Senadores da atual legislatura. Nota do Editor: Sérgio Gil Marques dos Santos é Doutor em Ciência Política/USP e professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.
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