Feliz da vida com as chuvas que lhe proibiram sair à escola, a menina folgava em casa na companhia da mãe que a iniciava nas prendas domésticas: pregar botões, coar café, catar feijão ... mode a tornar-se útil. E a garota gostava, gostava mais até que decorar tabuada e fazer análise sintática. Adjuntos, complementos, aposto... credo! A manhã toda assim, mas à tarde foram à janela tomar café e vadiar na paisagem. Estavam tão bem uma com a outra que bebiam a pequenos sorvos para fazer render o bom. Era de estalar a língua! E nesse desfrute viram o vizinho pular o muro da casa. Trazia de presente mudas de roseira. Não foi isso, no entanto, que a menina viu. O que ela viu – e viu pela primeira vez, num transe de perplexidade – ressaltava da calça que ele trazia aberta por descuido: a genitália masculina em estado de sossego! Enquanto a mãe tentava abafar as próprias gargalhadas nos fundos da casa, ela caiu pasma no sofá e ali ficou pelo resto do dia, olhar estático, toda conjecturas, aturdida com a revelação de tão inédito conhecimento. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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