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Após semanas de frio intenso, o domingo trouxe algum calor. Pude, então, me escarrapachar gostosamente no banco da praça, onde um sol sem trombeta, só doçuras, espargia por toda parte cristaizinhos de açúcar. Pois foi ali, sentado, que vi um menino se aproximar do lago e atirar uma pedra, mode a fazê-la resvalar pela superfície o mais possível. Depois, outra e outra. E vibrava, se a pedra atingia a margem oposta. Poucos perceberam a cena – tão trivial quanto encantadora, porque antiga. Afinal, desde sempre, os garotos têm esse gostinho de contrariar leis da física: em vez de afundar, a pedra mantinha-se veloz na tona. E se ela ricocheteava quatro, cinco vezes, o menino olhava à volta, a ver se flagrava alguém admirado de seu feito, também ele orgulhoso da divertida forma de desobediência, tão próxima da criação, da invenção. Cena antiga, sim. Nada que saltasse aos olhos de um pintor, de um fotógrafo, nem fascinasse multidões. Mas dava – a mim, pelo menos – o tom daquela tarde sem sobressaltos. Bonomia sem fastio, pura bênção. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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