No generoso FAIAP (Festival de Anistias e Indenizações que Assola o País), há uma que justifica plenamente o dito: “O que dá pra rir dá pra chorar: questão de peso e de medida, problema de hora e de lugar”. Não fosse por si só hilariante e pândego um baiano interiorano com sobrenome anglo-saxônico, Rui Patterson era funcionário do Banco do Brasil em Ipiaú (BA) e vivia no interior da Bahia lá pelos anos 60 do século recentemente passado. Segundo O Globo em 27/6/2009, com outros “companheiros”, Patterson foi perseguido e preso como elemento subversivo em outubro de 1969. Foram encontrados com ele alguns papéis com algumas anotações e um poemeto sem rima nem métrica, mas escrito em letras garrafais: P.O.R.R.A. Os militares que o prenderam não tiveram a menor dúvida: P.O.R.R.A era a sigla de uma perigosa organização comunista até então desconhecida. Transferido para o Forte do Barbalho em Salvador (BA), o grupelho de comunas foi devidamente torturado e obrigado a revelar o significado da sigla, seus objetivos e seus sequazes. Nemésio Garcia, um dos torturados - passado o período de exceção e sentindo-se à vontade para falar - revelou, então, que por não agüentar mais as terríveis sevícias de seus torturadores, acabou confessando que P.O.R.R.A era mesmo nome de perigosa organização terrorista, forneceu lugares falsos de “células” da mesma, bem como nomes inventados de seus líderes. Em Ipiaú, cidade do interior de cerca de 40.000 habitantes, Patterson e seus companheiros poderiam ser considerados “protestadores” – protestantes são outra coisa! E de fato protestavam contra o regime militar vigente após 1964. Sua forma de protesto consistia em pinchar palavras de ordem nos muitos jegues – i.e. “jumentos” no jargão nordestino) que circulavam pela cidade, e por mais que fossem estes lavados, as palavras não desgrudavam deles. Entre outras, P.O.R.R.A, que chamava a atenção dos moradores da cidade. Os integrantes desse movimento perigosamente subversivo, atentando gravemente contra a segurança nacional, foram finalmente julgados pela Justiça Militar num processo conhecido pelo nome de “processo do Porra”. Condenado, Rui Patterson cumpriu uma pena de 2 anos no xilindró – uma pena demasiadamente leve, para um subversivo de alta periculosidade, convenhamos! No julgamento no STM (Superior Tribunal Militar), então no Rio de Janeiro, Patterson e sua turma da fuzarca foram defendidos por Técio Lins e Silva. Possuidor de notáveis “dotes retóricos” e nenhuma inibição, o conhecido advogado carioca iniciou sua defesa bradando a palavra “Porra!” e dando um soco na mesa, mesmo correndo risco de ser preso por desacato à autoridade. Na realidade, não era sua intenção desacatar a egrégia Corte de Justiça, mas sim causar forte impacto nos juízes militares. Como reconheceu, posteriormente, o próprio causídico: “foi uma audiência de risco”. Alto risco, de fato! (O Globo, 27/6/2009). Finalmente, em 25 de junho de 2009, a Comissão de Anistia aprovou a condição de anistiado para Rui Pinto Patterson - um dos organizadores de um dos mais temíveis grupos revolucionários de esquerda fortemente atuante no interior da Bahia - tendo direito a uma indenização mensal de R$ 2,6 mil reais. É pouco ou quer mais! Tratava-se de uma dissidência do PCB, com uma centena de seguidores: o P.O.R.R.A que, ao contrário do que parecia, não era nenhum termo de baixo calão, mas sim a bizarra sigla de Partido Operário Revolucionário Retado e Armado. Arre égua! Ou melhor: Arre jegue! Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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