Alguém por aí escreveu um livro cuja tese central pretende defender que os grandes governantes da história foram aqueles que proporcionaram aos seus respectivos povos algum benefício permanente, e por algum tempo esta ideia andou percorrendo as bocas em bares e ante-salões de eventos. Bullshit! Aposto que, para cada um destes alegados benefícios duradouros, dez outros malefícios – também longevos – foram perpetrados, ou ainda, que apesar do visível benefício, outros ainda maiores poderiam ter sido realizados pelas mãos livres dos indivíduos. As expedições hispano-portuguesas que conquistaram as Américas eram grandes e dispendiosas, espalhavam o terror por onde passavam, mas ainda assim voltavam para casa, não raro, com menos da metade das suas respectivas naus e tripulações; já as realizadas por empreendimentos privados, tais como as que desbravaram a Groelândia e as ilhas e costas do Atlântico Norte eram pequenas, muito bem planejadas e executadas, criavam entrepostos comerciais pacíficos e prósperos e os relatos de naufrágios, motins e mortes por inanição ou doenças são sensivelmente menores. Em nosso tempo, indivíduos têm demonstrado que subir ao espaço custa apenas uma pequena fração da fábula que a NASA consome dos americanos. Há alguns poucos anos, um americano lançou uma espaçonave lançada por um avião e mais recentemente, com esta idéia, uma empresa australiana lançou um projeto destinado a levar os primeiros turistas espaciais para a órbita terrestre, pela bagatela de quatrocentos mil dólares por cabeça. Se há um diferencial que realmente possa contar para distinguir os bons dos maus governantes, este não é o das suas realizações, mas, justamente ao contrário, o das suas não-realizações! Por não-realizações, refiro-me aqui exatamente ao mal que os governantes praticavam e que, por alguma força das circunstâncias (lá às vezes, por mérito mesmo) o derrogaram. Em perfeita comparação, deveríamos agradecer ao sequestrador e homenageá-lo por soltar a sua vítima? Dom João VI foi o primeiro a nos conceder uma não-realização de vulto: a abertura dos portos do Brasil às nações amigas. Em Manaus, há um belíssimo monumento em homenagem a este importantíssimo não-fazer, situado no centro da praça contígua ao teatro Amazonas. Vale a pena observar os detalhes do artista, retratando os aspectos culturais fundidos em bronze que atestam as origens das quatro embarcações que ali representam cada um dos continentes: a Ásia, a África, a Europa e as Américas (desculpem, mas a Oceania e a Antártida ficaram de fora). Outro não-feito digno de nota do rei comedor de coxinhas foi liberar as mulheres daqui a usarem jóias verdadeiras: tendo por base que naquele tempo elas não votavam e nem se metiam em política, imagino que tal penada de D. João possa ter motivado os maridos e namorados crioulos a lançarem as primeiras sementes do movimento republicano... Dando um pulo econômico, convido o leitor a avaliarmos quais os grandes não-feitos dos presidentes do período que sucedeu aos governos militares. Em minha opinião, não vacilo em apontar Tancredo Neves como o presidente que menos roubou neste país! É ou não uma grande não-obra? Agora peço desculpas com relação a Sarney: não consigo lembrar o que de bom este nobre imortal tenha não-executado. Parece-me que tudo o que ele podia fazer, fez, e se o Brasil não “emaranhou-se” à sua imagem e perfeição, pelo menos ele assim logrou com o Senado. Menos mal: já pensou o leitor em ter um filho que nascesse bigodudo e que atendesse por “Ribamar”? Ao que parece, a época das grandes não-realizações da nova república foi inaugurada com Collor, ao abrir a indústria automobilística internacional ao mercado até então oligopolizado pelas quatro grandes montadoras (GM, Ford, Volkswagen e Fiat). O resto foram só fazeres, e que tais! Tantos que culminaram no seu impeachment e deram lugar a Itamar Franco, cujo melhor não-feito foi não ter tentado estender seu mandato-tampão. Isto serviu pelo menos para compensar um de seus mais notáveis atos, o de ressuscitar o Fusca. Alegava o fã confesso do Fantástico que buscava com isto criar mais empregos, no que sem dúvida foi bem-sucedido, pelo menos para os historiadores e arqueólogos, que, muito gratos, o presentearam com a descoberta dos rascunhos (ainda que incompletos) do projeto Fusca, encontrados enterrados perto do bunker onde Hitler passara os últimos dias... aí não houve desculpa para a Volkswagen, que se viu forçada a reabrir a linha... Veio então FHC, que inaugurou uma era de algumas boas não-conquistas: criou o plano Real, cujo não-fazer reside no fato de ter abdicado de imprimir dinheiro falso (não que tenha enxugado as contas públicas, pois a gastança continuou a mesma, tendo apenas sido bancada pela triplicação da dívida externa). Vale também registrar que liberou o câmbio após as eleições, ou melhor, depois que garantiu a sua reeleição (por orientação do FMI, quando o Real estava pra virar farelo), e também, de igual monta, procedeu às privatizações, das quais a mais bem sucedida foi a da telefonia e a pior, a do Lloyd Brasileiro, aquele “estrombóligo” que ninguém quis, nem de graça. O governo de Fernando Henrique Cardoso até que não teria sido de todo ruim se ele não tivesse, como tenho dito no alto deste texto, compensado largamente os seus notáveis não-fazeres com ações cujas consequências sofremos até hoje: a criação e a ceva do MST, a inauguração da agenda anti-homofóbica, a política de cotas raciais, a criação do Mercosul, e a mal engendrada privatização do setor elétrico, que provocou em seu próprio governo um apagão tão desastroso a ponto de fazer retroceder toda a economia brasileira ao tempo anterior ao seu governo, entre outros. Chegamos, enfim, ao governo Lula. Em termos de não-realizações, creio que tenha vencido Sarney, pelo menos, considerado que teve duas oportunidades. Em linha contrária, sua mão diligente tem se colocado a abraçar-se com os mais vis ditadores do mundo, a acabar com a liberdade de imprensa; a destruir o agronegócio; a pôr fim à propriedade privada; a tomar a educação dos filhos dos pais; a entregar nacos do Brasil a outras nações, a legalizar as drogas e prender os meros fumantes, a liberar o chá do santo Daime e prender os bebedores de cerveja, ..., afff... A todos vocês, meus sinceros agradecimentos, não pelo que fizeram, claro, mas pelo que não fizeram: enfim, obrigado... por nada! Nota do Editor: Klauber Cristofen Pires (libertatum.blogspot.com) é bacharel em Ciências Náuticas no Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, em Belém, PA. Técnico da Receita Federal com cursos na área de planejamento, gestão pública e de licitações e contratos administrativos. Dedicado ao estudo autoditada da doutrina do liberalismo, especialmente o liberalismo austríaco. Possui artigos publicados no Mídia Sem Máscara, Diego Casagrande, Domínio Feminino, O Estatual e Instituto Liberdade. Em 2006, foi condecorado como "Colaborador Emérito do Exército", pelo Comando Militar da Amazônia.
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