Sem batom, a blusa amarrotada, ela chega de um encontro com o amante. Mas o marido não se aborrece. Muito diferente disso, ansioso, pede a ela que se dispa e lhe entregue a correspondência, de imediato. Dedos de veludo, meticuloso como besouro entre pólen da corola, ele imerge na vulva saciada e retira o bilhete em que o outro lhe resume, em caprichosa caligrafia, a farra adúltera, embora por todos consentida. Porque, assim, os dois homens se correspondem! E não só o marido se excita com descrições da lascívia. Por sua vez, insere naquela “caixa postal” os relatórios gozosos que o amante sempre lê todo lúbrico. Estimulam-se um ao outro, mas se satisfazem nela, que vive em desvantagem, e não por servir de correio. Antes da atenção dos seus queridos, entrega-lhes o que tira excitação ao mistério: a informação. Sabem tudo dela, que se proíbe ler as mensagens; ignora, por isso, confidências a seu respeito. Menos mal. Enquanto competem nos festejos da carne, ela se banqueteia à tripa forra. Parte, depois, em novo vôo. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
|