O episódio de Honduras é um grande “imbróglio”, onde o Brasil se meteu e só poderá sair no prejuízo. Receber, na embaixada, o presidente deposto e, paralelamente, sair pelo mundo criticando os que deram o golpe de Estado, coloca o nosso país como parte na contenda e pode elevar os ânimos, dando motivos para a invasão da representação diplomática, com possíveis mortos e feridos, inclusive funcionários brasileiros. Isso é diferente do que se tivesse dado asilo político ao presidente quando deposto, para garantir a sua saída do país em segurança. Por mais razão que tenha ao fazer pregação política internacional contra a quebra da democracia hondurenha, o presidente Lula (ou quem tomou essa decisão em nome do governo brasileiro) só deveria ter acolhido o deposto Manuel Zelaya por extremas razões humanitárias, se sua vida estivesse em risco. Jamais poderiam correr o risco de transformar a embaixada em palanque ou quartel de resistência contra o golpe. E, por uma questão de segurança, deveriam cessar o proselitismo contra os golpistas. Zelaya, já asilado, consciente, assumiu o risco de voltar ao território de seu país e tem sua legitimidade para tanto, pois foi eleito pelo voto popular e afastado sob força das armas. Qualquer ato que contrarie ao veredito das urnas é deplorável e merece a mais séria censura de todos os democratas do mundo, promovida através da ONU, OEA e outros organismos próprios para esse fim. As escaramuças hondurenhas – tanto o golpe quanto o anti-golpe que o presidente deposto procura estabelecer – são assuntos internos do próprio país. Zelaya sabe que a sua presença no país pode causar até uma guerra civil com muitos mortos, inclusive ele próprio. Por mais ilegítimos, os golpistas devem ter um conjunto de razões ou justificativas para sustentar seu ato de força. Isso torna a situação muito perigosa, mas faz parte do equilíbrio interno. Quando outro país acaba envolvendo-se no conflito, ocorre o desequilíbrio e pode-se chegar até a uma guerra internacional. O quê, por exemplo, o Brasil fará se sua embaixada – que é considerada “território brasileiro” – for invadida? Reagirá em defesa desse território? Enviará tropas a Honduras? Se acovardará? Dirá que não sabe de nada? O Brasil e sua diplomacia têm grande respeito internacional. O país, por todas as razões políticas e econômicas recentes, tem boa posição e poderá colaborar em muito para a solução de problemas em toda a América Latina e até em outros pontos do planeta. Mas deve limitar-se a contribuir como conselheiro ou árbitro, jamais jogar o seu prestígio diretamente na luta entre grupos locais. Se o fizer, enfraquece sua imagem e pode voltar a ser visto como uma “república de bananas”. Se insistir em posar de paladino em Honduras, até por isonomia, o Brasil e Lula também não poderão, jamais, se esquecer de lutar pela liberdade do povo cubano e contra as ações antidemocráticas frequentemente denunciadas na Argentina, Bolívia, Venezuela e outros países. Aí não restaria tempo para cuidar de sua obrigação primordial: administrar o próprio país... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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