A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, dias atrás, o projeto que permite o funcionamento de bingos e caça-níqueis. O argumento do deputado Mendes Thame, autor da matéria, aceito pelo relator Regis de Oliveira, é de que a atividade gera muitos empregos e ainda pode contribuir com finalidades sociais. Tanto que o texto aprovado destina 14% da renda da atividade para a Saúde e 1% para Cultura, Esportes e Segurança Pública. Agora a matéria deverá seguir para o plenário e, se aprovada, ainda terá de tramitar pelo Senado. Tudo isso é um longo tortuoso caminho. O ideal seria que ninguém jogasse. Mas isso é utopia. O jogo, independente de sua modalidade, licitude ou não, está culturalmente arraigado à vida de uma considerável parcela do povo e, quando colocado na ilegalidade, é operado pelas máfias. Aí passa a ser uma atividade criminosa, sem qualquer controle e com a possibilidade de lesar a clientela e gerar uma série de crimes secundários que vão da corrupção até a extorsão e morte. Desde que fechou os cassinos, proibiu o jogo-do-bicho e mais recentemente impediu o funcionamento dos bingos, videobingos e caça-níqueis, o Brasil abriu um grande leque para o crime organizado atuar nessas áreas. Favoreceu a formação de cartéis criminosos e até a montagem de esquemas praticamente consentidos de corrupção. O cotidiano nacional é recheado de muitas estórias sobre os chefões do jogo e seu relacionamento com o poder. Coisas que não deveriam existir, mas estão aí nas ocorrências policiais e denúncias diárias da imprensa, para quem quiser verificar. Já que é incapaz para impor, por decreto, a cessação da jogatina, o governo e as autoridades deveriam atuar em outra direção. Permitir os jogos, fiscalizá-los rigorosamente para evitar o engano e a extorsão hoje possíveis e arrecadar parte de sua renda para obras sociais, inclusive custear o tratamento de pessoas com compulsão pelo próprio jogo, com isso cessaria toda a mirabolante atividade paralela e afastaria a danosa atividade dos criminosos. As loterias da Caixa Econômica Federal, que também são jogos e viciam, constituem um exemplo claro de que um esquema oficial e organizado pode funcionar. Principalmente agora que existem computadores de altíssimo desempenho e capazes de monitorar os processos. Da mesma forma que hoje funcionam Loteria Federal, Mega-Sena, Sena e outros jogos oficiais, poderiam operar o jogo-do-bicho e até os caça-níqueis, tudo com controle oficial e a garantia de que o apostador não será enganado e nem ficará a mercê de criminosos. É preciso acabar com a hipocrisia e admitir, mesmo com pesar, que o jogo – de azar ou não – é uma realidade entre os brasileiros. Os que podem vão ao exterior para jogar e os de menor posse, recorrem aos esquemas clandestinos, que funcionam por toda parte. Hoje, o mal menor seria oficializar tudo e dar carteira assinada e dignidade para os milhares de pessoas que hoje vivem como criminosos, agenciando os jogos, oferecer segurança ao apostador e, de quebra, obter alguma renda da atividade para a aplicação em atividades comunitárias. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
|