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Opinião
02/10/2009 - 10h12
Operação medula: uma reflexão
Alice Helena Rosante Garcia
 

Nos últimos dias a imprensa divulgou a ação da Polícia Civil de São Paulo, na busca de suspeitos por comercializar medicamentos roubados usados para o tratamento contra o câncer, denominada Operação Medula. Esses medicamentos foram encontrados em Cooperativas Médicas, em Hospitais dia e em clínicas particulares de vários locais do país.

Como oncologista clinica atuando em Campinas nessa área desde 1984, me assusto com a informação, com o risco que corremos e do quanto somos vítimas de uma sociedade injusta e cruel que permite esse tipo de comércio.

O que leva alguém a roubar medicamentos específicos para o tratamento do câncer? A resposta pode ser o preço, já que os medicamentos em questão custam entre R$ 6 mil e R$ 8 mil a ampola.

Porém, a reflexão deve ser outra, quem são aqueles que compram medicamentos de origem desconhecida? O melhor é acreditar que esses estabelecimentos foram vítimas dessas nove pessoas presas para verificação. Nos próximos dias teremos uma resposta para isso.

Trabalhando na oncologia todo esse tempo, vi muita coisa acontecer. Testemunhei descobertas revolucionárias para o tratamento do câncer. Falei, sem medo de errar, para pacientes incuráveis, que enquanto conversávamos tentando achar uma saída, alguém em algum lugar do mundo poderia estar descobrindo a cura para sua doença.

Ao iniciar na especialidade, ainda se usava BCG por escarificação da pele em pacientes com câncer, na tentativa de estimular suas defesas contra a doença.

Hoje já está disponível para o tratamento de alguns tipos de câncer, anticorpos monoclonais que são verdadeiros mísseis, atingindo exclusivamente a célula tumoral sem causar danos às células normais e de grande utilidade para tumores que carregam os antígenos que esse anticorpos combatem. Há drogas que destroem os vasos sanguíneos que alimentam o tumor. Quem imaginava isso há 25 anos?

Antes havia uma "receita" para cada tipo de tumor, e não se conseguia entender porque alguns respondiam tão bem e outros não. Hoje, conhecimentos adquiridos com a genética, com o custo de muitas vidas que se prestaram aos estudos, se concluiu que não há tratamento de "tamanho único" para o câncer. Cada caso tem que ser estudado individualmente, considerando até o tipo físico do paciente para programar seu tratamento. Também hoje, a microscopia revela "segredos" nunca antes imaginados, indicando tratamento para tumores de milímetros, por serem muito agressivos. Permite que às vezes só se vigie tumores extensos, por se saber que são de bom comportamento. Se bem vigiados, poderão ser tratados quando efetivamente for necessário, poupando pacientes e planos de saúde de tratamentos desnecessários, que são tóxicos e caros.

Enfim, cada dia, gosto mais da minha especialidade pelo simples fato de ser nem um pouco monótona, e que me fez nesses anos todos valorizar muito a vida e os preciosos momentos que ela nos oferece.

Infelizmente, toda essa tecnologia tem um preço e muito caro. A indústria farmacêutica investe milhões de dólares na busca da cura, e precisa desse retorno financeiro para continuar sustentando as pesquisas.

As fontes pagadoras, (operadoras de saúde, cooperativas etc.), precisam trabalhar com sua receita que muitas vezes é superada pelo preço desses medicamentos.

No meio desse fogo cruzado estão os pacientes que pagaram seus planos de saúde e querem para si o melhor atendimento disponível, os médicos que usando de toda a sua capacidade e conhecimento são obrigados por princípio, filosofia e juramento oferecer ao paciente o que tem de melhor e mais indicado para sua doença.

Para o paciente, como se não bastasse o peso de uma doença potencialmente fatal, às vezes em plena fase produtiva da vida, encontrar um profissional competente e seguro para programar seu tratamento, contar com um plano de saúde que cubra seus custos, agora também tem que se preocupar com a origem do medicamento que vai receber, correndo o risco de receber um medicamento roubado e talvez armazenado de forma inadequada, perdendo assim todo seu valor terapêutico.

O médico, dentro de sua capacidade e competência tem que estudar cada caso, individualizar o tratamento, pedir autorização para os convênios, convencer os auditores com farta documentação, que o tratamento é previsto e acordado na comunidade científica, explicar com detalhes como será o tratamento e cada um dos seus efeitos colaterais ao paciente e finalmente terminar da mesma maneira que o paciente, preocupado com a origem do medicamento que irá utilizar.

Além do conhecimento, a principal arma do médico, é o medicamento. Portanto a escolha, o armazenamento e a origem dessa droga deve ser responsabilidade do oncologista. Planos de saúde, inclusive as cooperativas médicas, estão tentando tirar da especialidade essa prerrogativa na tentativa de conter custos. Já tivemos no passado denúncias de medicamentos oncológicos comprados em enorme quantidade pelo governo e que tiveram que ser descartados por vencimento de sua vida útil. Portanto, o que nós, médicos oncologistas, desejamos, é simplesmente poder escolher e assumir total responsabilidade sobre nossas armas de combate a doença que são os medicamentos que vamos utilizar.

Tenho certeza que os pacientes com câncer e seus familiares desejam ter liberdade de escolha dos profissionais que irão acompanhá-los, porque só assim essa luta poderá ser vencida, se as armas utilizadas forem de boa qualidade.

Aos planos de saúde e cooperativas médicas, fica o dever de selecionar seus credenciamentos, vigiá-los e ter certeza que estão cumprindo seu papel, e punir só os que efetivamente não entenderam sua importância e responsabilidade.

Se cada um de nós fizermos de forma honesta a nossa parte, a polícia não precisará se preocupar com roubos de carga ou desvios de medicamentos de alto custo, simplesmente porque não haverá mercado para eles na nossa sociedade.


Nota do Editor: Alice Helena Rosante Garcia (alice@oncocamp.com.br) é oncologista da ONCOCAMP.

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