Em vez de se evadirem, voltam toda noite ao mesmo café de sempre, embora saibam que a captura está por pouco. Logo, logo, os homens de jaqueta preta, agora por toda parte, chegarão com as algemas. Há tempos, alguns começaram a desaparecer, mas sem despertar nos demais revolta nem desespero. Aceitavam as acusações, porque, talvez, nunca entenderam a virulência, a insanidade dos argumentos. Já não há mais como escapar ao cerco. Restam-lhes os encontros naquele café, onde têm, ao menos, uns aos outros e as conversas de costume, mas hoje discutem em voz baixa, sem a arrogância de antes. De fato, nesses últimos encontros, perdoam-se velhas discordâncias literárias, diferenças estéticas, opções ideológicas... Agora, é só perdão e humildade – tudo, exatamente, que os enchia de vergonha ainda ontem. A cada encontro, as noites parecem mais vazias. Alguém traz um novo livro, mas tal já não levanta acalorados debates. No mais, calam-se arrependidos na lembrança de quando ainda podiam reagir. E aguardam. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
|