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SEÇÃO
Crônicas
03/12/2009 - 17h11
Vidros e diamantes
Pedro J. Bondaczuk
 

O padre Antônio Vieira pode e deve ser considerado, antes de um sacerdote, autêntico cronista das coisas e pessoas do Brasil do século XVII. Seus "Sermões", além dos ensinamentos morais e espirituais que transmitem, são tão lógicos, tão bem desenvolvidos e fundamentados que convencem e agradam até o mais empedernido dos ateus. São, antes de tudo, verdadeiras aulas de estilo, de técnica de comunicar mensagens profundas e complexas de forma interessante, inteligível e agradável. Acabo de fazer uma releitura das suas mais famosas prédicas. É um refrigério para o amante da boa leitura, depois de se haver com tanto texto defeituoso e insípido de escritores contemporâneos (e de jornalistas idem), muitos tidos até‚ como "seminais", ou seja, fundamentais para o nosso tempo. Este sacerdote rebelde, contudo, o é para todas as ocasiões. É intemporal, por sua genialidade.

Selecionei (um tanto a esmo) uma série de citações de Vieira, instigantes para o intelecto e gostosas para o ouvido. Como esta: "Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidai que amais diamantes de firmeza e amais vidros de fragilidade; cuidais que amais perfeições angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo, os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também segue que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as coisas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, e não é, não o há no mundo".

É ou não um trecho delicioso, digno de figurar entre as melhores crônicas de língua portuguesa, embora fosse o corpo de um de seus sermões? E que argúcia em observar o comportamento humano! A maioria das coisas que amamos não é como pensamos. Tais "amores" são fantasias, são ilusões, são projeções dos nossos desejos, "são vidros", que cuidamos que sejam "diamantes". E não pensem que este seja um trecho raro, cuidadosamente pinçado daquilo que escreveu (e falou). Anotei em minha agenda de trabalho centenas dessas pérolas de sabedoria e beleza.

Percebam as nuances desta citação e o encadeamento lógico que Vieira dá às idéias: "Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos". O estilo de Vieira, classificado de "Gongórico", em referência a Luís de Gongora, comprova uma tese que vimos defendendo há tempos, de que um texto simples – não confundir com infantil – tem condições de ser muito mais profundo do que o supostamente erudito, que na maior parte das vezes descamba para o mero pedantismo, para o simples exibicionismo verbal.

Escrever é, sobretudo, comunicar idéias, sentimentos e emoções. O bom redator é aquele que aborda os assuntos mais complexos e especializados e consegue se fazer entendido não somente pelo especialista da área, mas por qualquer pessoa de cultura mediana. E desperta interesse geral. Sabe, sobretudo, ser interessante, sem ser, necessariamente, polêmico ou panfletário. Mas Vieira é irresistível. Dá vontade de citá-lo indefinidamente, para compartilhar com os leitores o prazer estético que sua forma de escrever nos dá. Como este trecho: "O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender nele os que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para sua lavoura e o mareante para sua navegação e o matemático para as suas observações e para os seus juízos. De maneira que o rústico e o mareante que não sabem ler nem escrever, entendem as estrelas; e o matemático, que tem lido quantos escreveram, não alcança a entender quanto nelas há". Melhor modelo de crônica do que estes textos, que sequer foram escritos com esse fim, não há. Se houver, não conheço, eu que sou um voraz "rato de biblioteca". Que farta fonte de sabedoria e de prazer estético é este clássico da nossa literatura!


Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – pedrobondaczuk.blogspot.com.

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